Título: Cidades ativas são grande parte da solução para a Amazônia'
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/09/2005, Vida&, p. A14

Conciliar o desenvolvimento econômico e a preservação da floresta sempre foi o grande desafio da região amazônica, onde 21 milhões de pessoas dividem espaço com a maior biodiversidade de fauna e flora do planeta. Segundo o biólogo Thomas Lovejoy, um dos nomes mais importantes das ciências ambientais, é possível fazer essa conciliação sem que as populações urbanas da Amazônia tenham de se contentar com uma qualidade de vida inferior. "Acredito que cidades ativas e lucrativas são uma grande parte da solução para a região." Estudioso da Amazônia há quase quatro décadas, Lovejoy vem freqüentemente ao Brasil e está em São Paulo esta noite para uma palestra na Universidade São Marco, no Ipiranga. Em 1980, foi ele quem cunhou o termo "diversidade biológica". Com passagens por organizações tão distintas quanto a WWF e o Banco Mundial, ele é atualmente presidente do Centro H. John Heinz III para Ciência, Economia e Ambiente, em Washington.

Veja os principais trechos da entrevista dele ao Estado.

O senhor costuma dizer que "nenhum organismo pode existir sem afetar o meio ambiente". Como podem, então, mais de 20 milhões de pessoas viverem na Amazônia sem impactar a floresta?

As 20 milhões de pessoas que vivem na Amazônia terão um impacto sobre o meio ambiente, sem dúvida. A questão é se este será um impacto moderado ou um impacto devastador.

É possível ter grandes cidades na Amazônia? Ou será que, para salvar a floresta, as populações amazônicas terão de se contentar com uma escala menor de desenvolvimento?

Não acho que quem vive na Amazônia deva se contentar com uma qualidade de vida mais baixa. Acredito que cidades ativas e lucrativas são grande parte da solução para a região. A conservação está ligada à qualidade de vida nos centros urbanos. Você pode ver isso no Amazonas, onde a taxa baixa de desmatamento está muito ligada à concentração de população em Manaus, o que reduz a pressão sobre a floresta.

Como é possível conciliar esse desenvolvimento com a preservação?

É preciso escolher atividades econômicas que não sejam de grande impacto ambiental. Uma Amazônia dominada pela agricultura e pecuária não vai funcionar porque, no final, são atividades dependentes do ciclo hidrológico da floresta - o que seria afetado pelo desflorestamento. A mineração pode ser uma atividade de baixo impacto, se feita com bastante cuidado. Piscicultura, fruticultura, ecoturismo e indústrias de serviços também podem ser de baixo impacto, quando conduzidas de maneira correta.

Essa opções são suficientes, do ponto de vista econômico?

As atividades que dependem diretamente da mata não são muito lucrativas no futuro imediato, mas a indústria de serviços pode ir muito além da floresta. Hoje, com as tecnologias de comunicação, pode haver empresas na Índia prestando serviços para empresas do outro lado do mundo.

Um caso emblemático é o de Mato Grosso, que tem a maior taxa de desmatamento da Amazônia, mas contribui de maneira significativa para o PIB brasileiro com a produção agrícola. Isso é bom negócio para o País?

É um bom negócio até o momento em que passa a comprometer o ciclo hidrológico e a biodiversidade de Mato Grosso. O primeiro vai afetar o desenvolvimento da produção agrícola; o segundo representa enorme perda de oportunidade na medida em que entramos na era da biotecnologia.

O que significa "desenvolvimento sustentável" para a Amazônia? Significa que nem mais uma árvore deve ser derrubada, ou devemos aceitar uma certa porcentagem de desmatamento em favor do desenvolvimento? Dependendo da estimativa, a região já perdeu entre 15% a 20% de sua cobertura original.

Acho que essas estimativas estão muito baixas. Tinha gente que já falava em 20% há 20 anos. Acho que depende muito de como você classifica uma área como desmatada ou não. O que realmente me preocupa é o ciclo hidrológico. Sabemos que a Amazônia é responsável pela geração de até mais da metade de suas chuvas e que a umidade da floresta fornece chuva ao sul da Amazônia e até a Argentina. É óbvio que em algum momento o desmatamento levará a um colapso do ciclo hidrológico, com conseqüências severas para todos. Não sabemos onde fica esse "ponto sem retorno", porque isso depende não só da quantidade de desmatamento, mas de onde esse desmatamento ocorre. Sempre achei que fosse em torno de 30%, mas pode ser muito menos. A última coisa que queremos é descobrir esse ponto depois de ultrapassá-lo. Mas acho que estamos muito próximos e até que esse processo seja mais bem estudado, acho que o desmatamento precisa ser radicalmente reduzido.

De forma geral, como o Brasil tem cuidado da Amazônia?

É um cenário misto. O Brasil tem feito grandes avanços em proteger quase 40% da Amazônia por meio de unidades de conservação e áreas indígenas. Essa é uma conquista enorme. Pelo lado negativo, 2004 foi o ano com o segundo maior desmatamento da história. Parece que houve melhora significativa até agora em 2005, o que mostra que é possível fazer algo. A questão é como manter a vontade política. O papel do governo é escolher caminhos positivos para o desenvolvimento e não só abrir a porta para qualquer coisa.

A avaliação do governo atual é positiva? A estratégia está correta?

Acho que o governo está bem, mas tem de manter a atenção e prestar contas quanto às possibilidades econômicas. Proteger a Amazônia é um desafio, sem dúvida, mas não é impossível. A queda da taxa de desmatamento em 50% mostra que é possível.

Alguns pesquisadores defendem que outros países paguem ao Brasil pela preservação da Amazônia.

Proteger a Amazônia está acima de tudo no interesse do Brasil: protegê-la como um sistema completo, preservando o ciclo hidrológico e o seus incríveis recursos biológicos. Do ponto de vista global, a Amazônia é peça-chave do clima; seu carbono pode ter impacto significativo sobre as mudanças climáticas. Acho que é perfeitamente razoável que o Brasil e as outras nações da Amazônia ajudem a pagar por isso. A antiga noção de que se o mundo quisesse o oxigênio da Amazônia deveria pagar por ele só não faz sentido hoje pelo fato de que a Amazônia não é grande produtora de oxigênio. É uma grande produtora de CO2, por causa do desmatamento, e o problema dos gases do efeito estufa é tão urgente que acho razoável que as nações amazônicas sejam compensadas por manter esse carbono armazenado.

Por que precisamos proteger a biodiversidade?

Os benefícios são muitos, incluindo serviços ambientais como a fertilidade do solo, água limpa, polinização, estabilidade climática, etc. Como seres vivos, ao destruir a biodiversidade apenas empobrecemos nosso futuro. Nosso objetivo deveria ser tratá-la como um jardim, o qual cultivamos sem destruir seu potencial. Outra comparação que gosto de fazer é pensar na biodiversidade como uma biblioteca viva. Por que você deveria se importar se alguém põe fogo na biblioteca municipal? Cada espécie guarda informações biológicas enormes. Um só camundongo tem mais dados na sua genética que todas as edições da Enciclopédia Britânica.