Título: Papa reza missa para 1 milhão
Autor: Ulisses Iarochinski
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/08/2005, Vida&, p. A17

Ao fim da jornada, Bento XVI condenou a religião como produto e agradeceu aos jovens em 9 línguas, incluindo o português

COLÔNIA - A grandiosidade do encontro e o tamanho dos locais não parecem ter ajudado muito a estabelecer um contato definitivo entre o papa Bento XVI e os jovens de todo o mundo. Segundo muitos deles, ficou faltando "alguma coisa", que eles não sabem explicar bem o que é. Nos três encontros em sua visita à Alemanha, o papa sempre esteve de alguma forma separado da multidão, seja pela largura do Rio Reno, seja pelo afastamento do altar. Ontem, diante de cerca de 1 milhão de jovens de 193 países, Bento XVI encerrou a 20.ª Jornada Mundial da Juventude. E também a visita de quatro dias à terra natal e sua primeira viagem internacional. Bento XVI disse que existe no mundo atual um forte sentimento de frustração que convive com "um estranho esquecimento de Deus e um boom da religião", ao advertir que "se for muito exagerada, a religião se transforma em um produto de consumo".

PORTUGUÊS

Sintetizando o agradecimento aos jovens de todo mundo, ele encerrou seu Angelus em nove idiomas, incluindo o português: "Saúdo com afeto aos jovens de língua portuguesa. Queridos jovens, desejo que vivais sempre em amizade com Jesus, para experimentar a verdadeira alegria e comunicá-la a todos, especialmente a vós que compartilham as mesmas dificuldades."

Montado sobre uma colina artificial no campo de 270 hectares de Marienfeld, a 27 km de Colônia, o cenário para a missa campal quis representar a nuvem da ascensão de Jesus e de Maria. E talvez tenha contribuído para a sensação de distância, manifestada também por brasileiros.

Acostumados com o modo afável e de quase carícia pessoal de João Paulo II, a juventude mundial aqui reunida "esperava que ele tivesse circulado mais entre nós. Entendo que não é possível num encontro deste tamanho. Mas ficou aquele gostinho de quero mais. Não fossem os telões, eu estaria voltando frustrada para Piripiri, no Piauí", reclamava a jovem Maria Isabel da Silveira.

"Acho importante tudo o que ele falou. Sobre a mesma busca dos três Reis Magos que todo jovem deve fazer para se encontrar com Deus e a mensagem dos reformadores que são os santos e Deus", disse Fernando Cariagli, de Colatina (ES), que tentava acordar um amigo para a missa.

A noite fria no acampamento silenciou o muito do que se esperava de cantoria durante a vigília. Nem o show que se iniciou de madrugada, às 5 horas, como preparativo da missa, conseguiu acordar muitos dos jovens.

Os dias em Colônia e cidades vizinhas ficarão marcados como aqueles em que se dormiu em sacos de dormir, sobre o chão duro de salas de escolas, que se teve de comer saladas estranhas - "Ai! Que saudade do meu feijão com arroz", dizia Rosângela Alencar, de Juazeiro (BA), ao receber a caixa com alimentação no Campo de Marienfeld - e, finalmente, que se sentiu um frio de "rachar os ossos" causado pelo orvalho da madrugada.

Mas alguns jovens europeus, como os italianos ou os poloneses, estão voltando para casa encantados com o ex-cardeal Joseph Ratzinger. Mirella Bernadotti de Brescia, da Itália, anotou num diário a frase da mensagem falada em italiano por Bento XVI no início da vigília: "O papa João Paulo II, que nos mostrou o verdadeiro rosto da Igreja nos numerosos santos que proclamou, também pediu perdão pelo mal causado no transcurso da história pelas palavras ou os atos de homens da Igreja. Deste modo, também a nós nos fez ver nossa verdadeira imagem e nos exortou a entrar, com todos nossos defeitos e debilidades, na multidão dos santos que começou a se formar com os Magos do Oriente."

Os jovens da Polônia vibravam intensamente todas às vezes que ouviam o papa fazer referências a João Paulo II. Começavam com gritos e evoluíam para cantos religiosos.

REIS MAGOS

O papa Bento XVI procurou com simplicidade cativar os jovens com sorriso e atenção permanentes com aqueles que tiveram o privilégio de vê-lo mais de perto, como nos jardins da casa presidencial da Alemanha e no Seminário de São Pantaleão, nos dias anteriores. Mas o importante nos três contatos - a chegada pelas águas do Reno, a vigília e a missa em Marienfeld - foi a unidade dos discursos aos jovens e a insistência ao mencionar os Reis Magos. Certamente para estabelecer uma relação com os jovens de lugares distantes da Terra, mas também para lembrar que os relicários de Baltasar, Gaspar e Melchior estão guardadas na famosa catedral gótica de Colônia.

Encerada a 20ª Jornada, Bento XVI convidou os jovens para a próxima, a ser realizada em Sydney, na Austrália, em 2008.