Título: Ao vencedor, os problemas
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2005, Nacional, p. A6

Governo deu troco à oposição, nada ganhou, mas contratou prejuízos e crises futuras A recusa no Senado do nome de Alexandre de Moraes para integrar o Conselho Nacional de Justiça é, para o governo, o tipo da vitória mal cantada: não rende benefício, traz prejuízo e mantém inalterada a situação de minoria em que está o Planalto por ora no Congresso.

Ligado ao PSDB, até recentemente era secretário de Justiça do governador Geraldo Alckmin, Moraes havia sido aprovado pela Câmara. Na quarta-feira, seu nome caiu no Senado por falta de dois votos no quórum mínimo exigido para a votação.

Tudo normal, não fosse o resultado atribuído a manobra do líder do governo, senador Aloizio Mercadante, que enxergou oportunidade de se vingar das constantes derrotas que o Executivo vem sofrendo no Congresso.

Também essa reação seria muito natural e de acordo com o jogo parlamentar, não estivesse o governo na iminência de ter uma empresa estatal (Correios) e um partido aliado (PTB) virados do avesso por uma comissão parlamentar de inquérito que vai investigar corrupção.

Absolutamente nos conformes poderia ser encarado o revide do senador Mercadante, caso o Planalto não estivesse atolado em crise e confusão até as orelhas.

Sem contar o fato de que cabe e interessa a governos de um modo geral aplacar e não acirrar ânimos mesmo em cenários de vantagem política - arreganhos ficam bem na oposição, que tem pouco a perder -, a este em particular deveria interessar a serenidade, não a agressividade.

O episódio da alegada vitória só não foi gratuito porque tudo indica custará preço alto. Por nada, aliás.

Moraes foi rejeitado em função de duas ausências. Diferente teria sido se o senador Mercadante tivesse conseguido mobilizar apoios suficientes para derrotar a oposição nos votos e invertido o quadro atual de desvantagem política e numérica.

Objetivamente, o governo conseguiu que um integrante do Conselho Nacional de Justiça, cuja criação é bandeira levantada com orgulho pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, deixasse de ser indicado. E daí?

Daí criou-se um impasse jurídico sobre a nova indicação e aumentaram as arestas políticas. A oposição já avisou que não vai dar um passo para ajudar a desatar o nó da composição do Conselho. Pois o governo, cujo plantel de problemas já está bastante fornido, terá mais este para resolver.

O senador pode ter se sentido vingado e emocionalmente confortado (isso para não entrarmos na questão da disputa política de São Paulo onde Aloizio Mercadante pretende se candidatar ao governo), mas em matéria de serviço prestado ao Palácio do Planalto, francamente, fez as vezes de líder da oposição.

Deu prioridade aos nervos e ao fígado; agora terá de dar tratos ao cérebro, à mão que afaga e à coluna vertebral que se dobra para ajeitar a confusão acrescida ao já bastante conturbado ambiente. O líder aplicou força onde era preciso jeito.

Justiça se faça ao senador Aloizio Mercadante, não é o único nesse diapasão.

Tem a companhia do presidente da República e de muitos outros nesse partido que até outro dia ainda achava possível eleger o presidente da Câmara ignorando a opinião do colegiado e levando em conta só suas conveniências internas para acomodação de tendências.

O PT ainda tem muito o que avançar na transição de legenda de oposição para partido de governo. Deu uma lida na cartilha do poder, absorveu a primeira lição sobre as regras sem ideologia da economia, mas parece que foi só.

Transparência-Brasil

O presidente Luiz Inácio da Silva descriminaliza a prática do fisiologismo quando diz, como disse aos líderes partidários na terça-feira, que pretende negociar "abertamente" cargos federais e emendas ao Orçamento da União.

O tesoureiro do PT, Delúbio Soares, já havia enveredado por esse caminho muito antes. Ano passado, a serem contestadas suas andanças por reuniões no Palácio do Planalto e suas investidas sobre financiamento de estatais a eventos em benefício financeiro do partido, o tesoureiro defendia-se dizendo que fazia tudo com "transparência".

Ou seja, abertamente, na maior desfaçatez.

Na pressão

Será um milagre de fazer inveja ao Padre Eterno o governo conseguir evitar a instalação da CPI dos Correios na base da cooptação de parlamentares para retirarem suas assinaturas do requerimento a ser lido na semana que vem.

Não tão difícil será a recuperação da fidelidade perdida na base de apoio no Congresso.

A chance, embora exista, é uma só: o presidente Luiz Inácio da Silva dar sinais reais e substanciais de que será reeleito para mais quatro anos em 2006. Mas tal certeza só poderá se concretizar, ou volatizar, no ano que vem.

Daqui até lá, o caminho será de solavancos um atrás do outro. Até porque a rapaziada já descobriu, literalmente, o caminho das pedras usando a inépcia do opositor.

Agulha no palheiro

Os artífices da CPI têm consciência de que os nomes do presidente e do relator da comissão terão de ser escolhidos com precisão cirúrgica. De preferência entre excelências muito acima de qualquer suspeita. E imunes a pressões.