Título: Define-se hoje o futuro das APPs
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/05/2005, Vida&, p. A18

O futuro das áreas de preservação permanente (APPs) no Brasil deve ser definido hoje pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) durante reunião em Campos do Jordão, no interior paulista. Ao fim de mais de dois anos de discussão, será posta em votação a proposta que regulamenta o uso das APPs por empreendimentos considerados de utilidade pública e interesse social. Entre os pontos polêmicos está a regularização das atividades de mineração e da ocupação de áreas protegidas por favelas e comunidades de baixa renda. As APPs são áreas automaticamente definidas como de preservação obrigatória, incluindo margens de rios, nascentes, encostas e topos de morros. Legalmente, sua utilização está limitada pelo Código Florestal, de 1965, a projetos de "utilidade pública e interesse social". Só que essas atividades nunca foram propriamente definidas. A Medida Provisória 2.166-67, de agosto de 2001, relaciona alguns empreendimentos, como obras de transporte e energia, mas cabe ao Conama, agora, definir outras atividades que se encaixam na categoria.

A proposta que vai a votação hoje relaciona como atividades de utilidade pública a pesquisa arqueológica, a instalação de áreas verdes (parques) em zonas urbanas e os empreendimentos de mineração. No quadro de interesse social estão o ordenamento territorial de ocupações de baixa renda e a construção de estruturas necessárias para a própria preservação da área.

Além disso, a resolução autoriza uma série de atividades consideradas de baixo impacto, como colocação de cercas, construção de pequenas pontes e píers, abertura de trilhas de acesso, coleta de frutos e captação de água para consumo doméstico e irrigação - desde que as obras não ocupem mais de 10% da APP.

A maioria dessas atividades já ocorre nas APPs, mas sem o respaldo legal apropriado. "É uma maneira de deixar as APPs mais realistas", diz a assessora técnica do Conama Dominique Louette. "Vai ser um alívio para os órgãos ambientais, que terão um texto mais próximo da realidade para dar sustentação a suas decisões e poderão focar seus esforços de fiscalização sobre o que está, realmente, fora da lei."

"O ideal seria que as APPs fossem intocáveis, mas isso não ocorre em país nenhum do mundo", diz o procurador de Justiça e conselheiro do Conama Antônio Herman Benjamin. "É importante que a legislação tenha os pés no chão para não ser desmoralizada."

MINERAÇÃO

A classificação das atividades de mineração, praticadas por empresas privadas, como de "utilidade pública" parece contraditória, mas encontra respaldo na Constituição Federal, que coloca o minério como bem público e de interesse nacional. A realidade, nesse caso, também é irremediável: mais de 80% da mineração no País ocorre dentro de APPs, principalmente nos rios e topos de morros. "Se você proíbe a mineração em APP, não tem mais mineração no Brasil", resume Dominique.

Praticamente toda a areia usada na construção civil do País, por exemplo, vem do leito dos rios, segundo o representante do Ministério das Minas e Energia no Conama, José Carlos Costa. Ele afirma que as atividades de mineração já passam por licenciamento ambiental e não estão à margem da lei. Mas falta ainda uma regulamentação clara e padronizada para o setor. "Hoje, muitas vezes, os órgãos estaduais interpretam a legislação de formas diferentes", diz.

Segundo Costa, a aprovação da resolução não deverá aumentar a pressão sobre as APPs por parte das mineradoras. "O texto não altera o que vem sendo feito, só regulamenta."

LOTEAMENTOS

No caso de APPs invadidas por loteamentos irregulares em áreas urbanas, a resolução permite a regularização dessas ocupações, desde que atendam a certos requisitos. A ocupação precisa estar consolidada há pelo menos quatro anos e o poder público deve estar capacitado - e disposto - a fornecer serviços básicos, como água e esgoto.

"A regularização de áreas irregularmente ocupadas é sempre uma situação delicada", avalia o assessor técnico Antonio Luiz Lima de Queiroz, da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Por um lado, diz, a resolução aumenta o poder dos ocupantes para exigir a regularização. Por outro, permite ao poder público levar serviços básicos a ocupações já consolidadas, nas quais a falta de saneamento básico "pode causar um impacto ambiental muito maior do que a regularização" - como na beira de represas.

A 44.ª Reunião Extraordinária do Conama ocorre hoje e amanhã dentro das comemorações da Semana da Mata Atlântica, em Campos do Jordão.