Título: Ação da polícia merece elogios e críticas pesadas
Autor: Livio Oricchio e Almir Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2005, Esportes, p. E3

Enquanto para Dalmo Dalari tudo transcorreu dentro da lei, para Reale Júnior foram cometidos "abusos

Dois importantes juristas brasileiros têm posições antagônicas sobre a condução do caso Leandro Desábato. Enquanto Dalmo Dalari defende que a lei foi "seguida com correção" desde o primeiro instante - a voz de prisão dentro do campo de jogo ainda -, para Miguel Reale Júnior a rivalidade esportiva entre as duas nações gerou reações carregadas de emoção e, por conta disso, foram cometidos abusos. "Ultrapassar os limites da lei para dar um exemplo, criar um bode expiatório, é instrumentalizar a vítima." Os dois concordam com a qualificação do fato - Desábato ter chamado Grafite de negro - como crime. Para Dalari, não há por que o Brasil fazer exceções. "É praxe o tratamento extremamente rigoroso a quem comete um crime, muitos foram algemados também." Já a não observação da lei começa no ato de prisão para Reale Júnior. "Não houve flagrante. O jogador cometeu o crime, a partida prosseguiu, terminou o primeiro tempo, o segundo e só então o delegado deu voz de prisão."

Para o jurista, o mais grave é que como se trata de crime de ação privada, não do Ministério Público, dependeria da iniciativa da vítima, no caso Grafite, fazer uma denúncia, o que se deu apenas depois, na delegacia. "Só então o delegado poderia ir lá e prender o jogador argentino, por crime de injúria, previsto no artigo 140 parágrafo 3. Ele se antecipou, passou sobre a lei." Dalari não vê, diante das circunstâncias em que tudo ocorreu, como arbitrariedade a ação do policial aguardar a partida terminar para dar a voz de prisão.

Ambos entendem, no entanto, que o caso está sendo usado como uma vitrine para pôr fim, ou reduzir sensivelmente, ações da mesma natureza, contra brasileiros ou não. "O fato de ser freqüente não significa que não deva ser corrigido", argumenta Dalari. "Não é por que a corrupção é freqüente que não iremos punir. Daqui em diante a incidência desse crime será bem menor", prevê Dalari. Reale comenta: "Não que o caso não seja delituoso, mas é inegável o aspecto político da busca pela repercussão."

REAÇÃO DO MINISTRO

O Ministério dos Esportes vai enviar a entidades como Fifa e Conmebol notas de repúdio à atitude racista de Desábato contra Grafite quarta-feira. Os documentos, que estão em fase de tradução para os idiomas inglês e espanhol, além de condenarem o ato específico do jogador argentino contra o são-paulino têm o objetivo de alertar para o crescimento dos gestos racistas no futebol mundial. E pedir providências para que sejam coibidos.

"O incidente foi bastante grave. Tenho acompanhado os atos racista na Europa, de torcedores contra jogadores. Agora, acontece entre jogadores. Isso é preocupante", disse o ministro Agnelo Queiroz ao Estado. Anteontem, ele enviou telegrama solidarizando-se com o São Paulo e Grafite. Na mensagem ao jogador, o cumprimentou pela "postura corajosa'' de levar o caso adiante. "Ele fez o que vítimas desse tipo de agressão devem fazer." Para Queiroz, a atitude da polícia e da Justiça brasileira no caso envolvendo Grafite nada teve de exagero. Ao contrário, foi exemplar.

"Nossas autoridades tomaram atitudes previstas na lei." Não só as entidades ligadas ao futebol, como a CBF, receberão mensagens do ministério, mas também as que combatem o racismo e a órgãos como o Conselho Sul-Americano de Ministro do Esporte - do qual Agnelo é o presidente. Todas as cartas serão também assinadas pela secretária especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, Matilde Ribeiro.

Agnelo Queiroz definiu como "preocupante" o crescimento de atos racistas em eventos esportivos. "O esporte sempre foi uma área de congraçamento, de convivência, independente de sexo, raça, religião. Não se pode deixar que isso se perca. É preciso uma mobilização geral contra tal estado de coisas."