Título: Ato institucional
Autor: Maurício de Sousa Neves Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/04/2005, Espaço Aberto, p. A2

Dentre tantas manifestações contrárias ao anteprojeto do Ministério da Educação (MEC) para a reforma universitária, há uma voz que repercutiu mais alto no meu modo de compreender a educação oferecida aos brasileiros. Essa voz é a do presidente da Associação de Ensino Superior do Rio de Janeiro, professor Magno de Aguiar Maranhão, que eleva o tom das discórdias quando raciocina: "O mundo todo hoje aposta na pluralidade de modelos para o ensino superior. Os adeptos da teoria da conspiração vêem nesse impulso de diversificação um complô do Primeiro Mundo para implantação nos países em desenvolvimento de um sistema de educação empobrecido, voltado para o mercado, e não para a formação de conhecimento, com o propósito de nos manter na dependência de tecnologia fabricada lá fora. Mas, ao contrário, a aceitação da pluralidade apenas permitirá que exploremos toda a nossa potencialidade e enriqueçamos nosso sistema educacional. Isso é óbvio, mas não para o MEC. Recebemos um projeto de reforma amarrado ao modelo das universidades de pesquisa que, num desvio para trás, resolveu suprimir até a autonomia dos centros universitários." A questão está aí resumidamente colocada. Logo no primeiro parágrafo da justificativa do anteprojeto, o MEC preconiza: "A educação é um elemento constituinte do novo modelo de desenvolvimento que estamos construindo no Brasil. Ela é vital para romper com a histórica dependência científica, tecnológica e cultural de nosso país e consolidar o projeto da nação democrática, autônoma, soberana e solidária." Como realizar esses ideais, se o anteprojeto se apresenta incoerente e autoritário? Será que o governo ignora a importância dos centros universitários para a autonomia cultural de nosso país? Seremos todos nós, mantenedores de ensino privado, antibrasileiros? Será que o MEC não sabe que, por exemplo, no campo do desenvolvimento de sistemas de informatização, o profissional brasileiro se vem destacando pela criatividade e pelo enorme potencial nas principais e maiores empresas do mundo? E os arquitetos, os engenheiros, os jornalistas, os designers, os fotógrafos? São todos oriundos do ensino público?

Admitimos um marco regulatório, mas queremos o reconhecimento de nossa função social. As mantenedoras do ensino superior particular não podem aceitar o rótulo generalizado de mercantilistas que nos impinge agora o MEC e, por isso, apresenta uma lei de estatização e doutrinação das faculdades, de controle policialesco. Maior exemplo disso é a criação de Conselhos Comunitários e a eleição de um pró-reitor para participar da gestão das instituições. Vemos aí a mão pesada do Estado no intuito de policiar as instituições particulares, amarrar os projetos de extensão e pesquisa e controlar sua gestão administrativa e acadêmica. O gesto faz lembrar os anos de chumbo, não difere em nada da política autoritária do regime militar. É um "AI-5" na educação.

Ainda na justificativa, intitulada Por que Reformar, o texto diz: "O governo atual optou na valorização da universidade pública e defesa da educação como um direito de todos os brasileiros." Como garantir isso, se não investir muito mais verbas no ensino básico e fundamental? Por que não encarar de vez esse problema? Quem é que chega à universidade? E por que chega? O País não precisa de uma reforma do ensino superior, e sim de reforma do ensino em sentido amplo, pensando-se no todo e no papel dos governos municipais, estaduais e federal, e também no das instituições privadas nesse processo.

A proposta não fala em fontes de fomento para a pesquisa, integração das universidades federais e particulares com empresas, não cita inovação e capacidade de modernização, faz uso político de conceitos inerentes a teorias e tradições do processo educacional, mistura matérias que deveriam ser tratadas separadamente, estabelece uma falsa autonomia universitária. Os preceitos e normas inseridos no anteprojeto suscitam conflitos, transgredindo a ordem constitucional e legal. Suas orientações trazem princípios ultrapassados de intervencionismo de Estado que não se coadunam com a atual realidade social brasileira, não somando em nada.

O documento Considerações e Recomendações Sobre a Versão Preliminar do Anteprojeto de Lei da Reforma da Educação Superior, do Fórum Nacional da Livre Iniciativa na Educação, esmiúça o anteprojeto e monta um arcabouço do que entende que deveria constar no texto do MEC, que acena com a possibilidade de apresentar a segunda versão até o final de abril, com mudanças provocadas por sugestões, segundo o ministério, de "inúmeras instituições e organizações sociais depois de 12 meses de debates".

Lembro que as 26 entidades participantes do fórum já haviam enviado, em dezembro, 400 sugestões, todas ignoradas. Até o momento, o fórum não foi convocado para discutir o projeto pontualmente, como desejamos. Podemos raciocinar que esta nova versão já esteja fechada. A nossa preocupação ganhou força desde a constatação de que o portal oficial do MEC nem sequer havia registrado nosso encontro com o ministro, quando lhe entregamos o documento. Seremos mais uma vez ignorados? Existem informações desencontradas e que se contradizem. O site do MEC insiste em afirmar que o processo de discussão do anteprojeto é aberto, mas o próprio ministro, diante de membros do fórum, esclareceu de vez que a reforma é projeto de Estado, que não vai criar comissão paritária e que não aceita discutir separadamente as instituições públicas e privadas. Desdenhou de nossas idéias ao dizer que o projeto não é salada de frutas. Portanto, deveremos lutar mais acentuadamente no âmbito parlamentar.