Título: A contra-reforma sindical
Autor: Almir Pazzianotto Pinto
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/03/2005, Espaço Aberto, p. A2

A reforma sindical concebida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) foi planejada para ser feita em duas etapas: inicia-se com emendas aos artigos 8.º, 11, 37 e 114 da Constituição e se completa com projeto de lei ordinária destinada a fixar novas regras de relações sindicais. Os projetos são, porém, de tal forma autoritários, contraditórios confusos e atrasados que, de pronto, surgiram adversários entre empregadores e empregados, para impedir que uma contra-reforma cause mais dificuldades às relações individuais e coletivas de trabalho e se converta em fator de desestímulo a investimentos geradores de empregos.

No que se refere ao artigo 8.º da Lei Superior, o projeto de emendas é paradoxal, pois afirma: "É assegurada a liberdade sindical." Logo depois, todavia, reserva ao Executivo a prerrogativa de conceder "personalidade sindical" às entidades que atenderem a requisitos de representatividade, participação democrática dos representados e "agregação que assegurem a compatibilidade de representação em todos os níveis e âmbitos da negociação coletiva" (sic). Em resumo, a situação persiste inalterada, pois, como há 60 anos, caberá ao ministro do Trabalho decidir a quem outorgar ou deixar de outorgar personalidade sindical.

A mesma proposta investe, em seguida, contra o artigo 114 da Constituição, para alterar a redação dada pela Emenda 45, que tratou da reforma do Poder Judiciário. As modificações pretendidas nos parágrafos 2.º e 3.º do artigo 114 são desnecessárias e perigosas. Basta comparar os textos recém-atualizados e as novas emendas para reconhecer a inoportunidade e inconveniência da iniciativa.

No projeto de lei de "relações sindicais", constituído por 238 artigos, identificam-se, de imediato, graves aberrações. A primeira surge da contradição entre liberdade de associação e manutenção do controle administrativo pelo Executivo, por meio do citado ministério.

Associação sindical é livre ou não. Aqui não há meio-termo. Os autores da CLT, vinculados ao Estado Novo, tiveram a coragem de assumir, sem rodeios, o controle da vida sindical. A Constituição de 1988 assegurou a permanência do controle, por meio do registro (artigo 8.º, I). A proposta enviada ao Legislativo alude, na exposição de motivos, à necessidade de "modernização do sistema de relações sindicais". A leitura dos projetos evidencia, entretanto, o risco de retrocesso ao modelo de Vargas, bastante piorado.

Outra anomalia emerge do sistema de custeio. Serão cinco as fontes de receitas das entidades, duas fundamentais: as contribuições pagas espontaneamente pelos associados e a contribuição de negociação coletiva, que alcançará aqueles que não são sócios. Quanto à primeira, nada a opor. A segunda, entretanto, é inaceitável, por ser ilegal, ou melhor, inconstitucional e injusta. No artigo 5.º o projeto admite que "os trabalhadores e os empregadores têm direito de livre filiação, participação, permanência e desligamento das entidades sindicais que escolherem". O artigo 45, contudo, ignora essa regra salutar para impor aos que exercerem o direito de não se filiar, não participar, não permanecer ou se desligar da entidade pagamento de contribuição "com periodicidade anual, fundada na participação na negociação coletiva ou no efeito geral do seu resultado", mesmo que a negociação haja malogrado e a decisão final tenha sido da Justiça do Trabalho.

Neste aspecto, o projeto é de tal modo arbitrário que atropela todas as garantias constitucionais de livre associação e prescreve, no artigo 45, @ 2.º, que, "observadas as exigências desta lei, a cobrança da contribuição de negociação coletiva aprovada em assembléia-geral não comportará oposição". Em outras palavras, o cidadão trabalhador ficaria privado do direito de resistir à decisão de assembléia de que não participou, da qual discorda e que o prejudica.

Registre-se que o projeto remete as regras sobre quórum de assembléia-geral às disposições estatutárias. Pode-se antecipar, com segurança, que em segunda convocação, como habitualmente acontece, a assembléia deliberará com qualquer número de associados, e mesmo que não se façam presentes.

No que se refere ao valor, a contribuição negocial ultrapassará a importância hoje devida a título de "Contribuição Sindical", equivalente a um dia de salário por ano. Aprovado o projeto, todo empregado sofrerá a retenção em folha, em três ou mais parcelas mensais, de 1% da remuneração total do ano anterior ao do desconto. Simples cálculo aritmético demonstrará o brutal aumento da "carga tributária sindical", em benefício das centrais, confederações, federações, dos sindicatos e do governo.

Aspecto que também exige atenção diz respeito à preservação do monopólio de representação. Acena-se com a permissão para formar novos sindicatos, mas se garante a sobrevivência da unicidade sindical. O capítulo V do projeto recebeu o sugestivo título "Da Exclusividade de Representação". O seu artigo 39 prescreve que o sindicato registrado antes da vigência da nova lei "poderá obter a exclusividade de representação mediante deliberação de assembléia de filiados e não-filiados e a inclusão em seu estatuto de normas destinadas a garantir princípios democráticos que assegurem a ampla participação dos representados". É óbvio que as entidades existentes convocarão assembléia para decidir pela exclusividade da representação. Quanto à inclusão nos estatutos de princípios democráticos, não deixa de ser surpreendente que a medida seja necessária, na vigência da Constituição de 1988.

Para concluir, vale destacar que o projeto assegura estabilidade a 81 dirigentes de central sindical, confederação, federação e sindicato. Nenhuma referência às reeleições, hoje permitidas tantas vezes quantas desejar a diretoria.

A contra-reforma sindical está em marcha. Aguardam-se as manifestações da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Almir Pazzianotto Pinto é ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho