Título: Vale queria escoar produção. E é punida por dominar o setor
Autor: Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2005, economia, p. B3

Quando optou pela agressiva estratégia de compra de mineradoras menores, entre elas a Ferteco e a MBR, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) aumentou também o poder de fogo na MRS Logística. Pelo regulamento da privatização, cada acionista de concessão ferroviária pode deter, no máximo, 20% da empresa operadora. A intenção era impedir a concentração de poder em uma determinada empresa e, em conseqüência, garantir um tratamento igual a todos os usuários. Com base em reclamações de usuários da MRS, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) concluiu que a Vale está com participação excessiva no setor ferroviário, o que poderia abrir "a possibilidade de exercício de poder de mercado". Há duas semanas, a SDE recomendou que a mineradora se desfaça de ativos em ferrovias, portos e até mineradoras. O parecer está sendo analisado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), do Ministério da Fazenda, última instância na arbitragem concorrencial.

A ANTT já havia determinado, no início do ano passado, a venda de parte das ações da Vale na MRS para que o equilíbrio do poder decisório na empresa fosse retomado. Em setembro, perto de expirar o prazo para o cumprimento da determinação, a Vale apresentou outra alternativa, a diluição do excedente acionário entre quatro acionistas, inclusive ela mesma. Ficariam todos com algo em torno de 24%. "Estávamos analisando o pedido quando a SDE emitiu aquele parecer. Suspendemos tudo até a decisão do Cade", diz o diretor da ANTT, José Alexandre Resende.

Para cumprir a primeira recomendação da ANTT, a mineradora deveria fazer uma oferta pública do excedente de ações. "Ferrovia é uma atividade monopolística por natureza. A situação fica mais complicada quando a empresa que controla o sistema também tem interesse logístico na malha", diz Resende.

A Vale começou a investir em logística para atender a uma demanda própria: precisa de uma rede mais eficiente para escoar a produção de minério, quase totalmente voltada à exportação. "A Vale é uma única empresa que não tem escrúpulos em botar dinheiro em ferrovias", diz o professor Paulo Fleury. A empresa investiu pesado no setor e descobriu na atividade ferroviária um negócio altamente lucrativo, com o atendimento a terceiros em suas próprias ferrovias. Ao deter o controle de tráfego ferroviário, a empresa ganha também um grande poder frente a seus concorrentes.

Procurada, a direção da Vale não quis se pronunciar sobre a questão logística e nem sobre a recomendação da SDE, alegando já ter falado muito sobre o assunto. No dia em que foi divulgada a decisão, a mineradora divulgou nota oficial dizendo estar "confiante de que demonstrará ao Cade a consistência dos argumentos apresentados à SDE e à Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae, ligada à Fazenda), que evidenciarão não se justificarem quaisquerI.T. , restrições".

Reclamações sobre a atuação da companhia são comuns, à boca pequena: o poderio econômico da empresa desestimula críticas abertas à situação. Ex-conselheira do Cade, a economista Lúcia Helena Salgado disse não conhecer detalhes do parecer da SDE, mas defende a venda dos ativos ferroviários da companhia. (I.T., N.P.)