Título: Primeiro efeito no Brasil será queda na taxa de crescimento
Autor: Grynbaum, Michael M.
Fonte: Jornal do Brasil, 16/09/2008, Tema do Dia, p. A2

Analistas divergem quanto à duração da repercussão no mercado.

O agravamento do terremoto no mercado financeiro dos Estados Unidos terá repercussão imediata no Brasil, concordam analistas ouvidos pelo Jornal do Brasil, mas ainda não há consenso quanto à real extensão dos danos. A primeira conseqüência, dizem todos, será um arrefecimento no ritmo do crescimento econômico, em vista da retração quase certa no comércio mundial. Com isto, ficarão abaladas as reservas cambiais brasileiras, pois os estrangeiros começarão a retirar capital daqui para enfrentarem as dificuldades que atingirão seus respectivos mercados.

Um fator de tranquilidade, entretanto, é apontado pelo ex-ministro da Fazenda Ernane Galvêas.

¿ Por estranho que pareça, a China funcionará como um fator de estabilidade para o capitalismo mundial ¿ diz Galvêas, que, em seguida, fundamenta sua opinião:

¿ O governo chinês está decido a melhorar o padrão de vida de sua população. Hoje, eles têm lá 200 mil empresas estrangeiras trabalhando, as 500 maiores empresas do mundo estão todas lá. Eles já melhoraram a vida de 200 milhões de pessoas. Agora, falta melhorar de quase um bilhão. Então, a China é hoje o maior regulador de mercado do mundo, e não quer confusão, porque, se houver isto, prejudica os esforços para tirar sua população da pobreza ¿ diz o ex-ministro.

Para Carlos Thadeu de Gomes Freitas, ex-diretor do Banco Central e chefe do departamento econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC), a crise ainda está no meio do caminho e o crédito no exterior vai continuar apertado. Segundo o economista, por mais que o Brasil esteja relativamente protegido, devido ao bom momento econômico que atravessa, a desaceleração de outros países vai afetar as exportações. Gomes considera que os efeitos da crise americana devem segurar o crescimento da economia nacional em 2009, que ele avalia abaixo dos 4% estimados inicialmente por analistas:

¿ Seremos menos afetados, mas a economia vai desacelerar. O crédito ficará mais caro para todos os países, e isso vai refletir no crescimento da economia nacional, que pode ficar em 3% ou 3,5%

Segurança relativa

No entender de Galvêas, apesar de toda a turbulência, o Brasil está mais ou menos firme, porque teve seu sistema financeiro saneado há anos pelo Programa de Recuperação do Sistema Financeiro (Proer), o que só agora acontece nos EUA.

¿ Tinha banco com perdas acumuladas ao longo de anos e distribuindo gratificação a diretores. E tudo com auditores como Arthur Andersen e KPMG lá dentro, emitindo pareceres para avalizar as operações. Aqui tivemos uns 20 bancos nesta marmelada, mas nos Estados Unidos foi muito mais do que isto.

Galvêas cita que 50 bancos dos EUA já "foram para o brejo". Os 30 grandes bancos americanos estão perdendo no mínimo 50% de seus ativos. O sistema americano tem falta de fiscalização. Empregaram bilhões de dólares sem saber onde. No fundo de tudo, há uma especulação desenfreada, com operadores diante do computador 24 horas por dia esperando um pretexto para faturar ¿ conclui.

O diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-presidente do BC Carlos Langoni, no entanto, ainda acredita que o crescimento do Brasil deve manter-se na faixa dos 4%. Segundo ele, o país se beneficia por seu crescimento estar muito mais atrelado ao mercado interno que ao externo, cuja influência chega a ser negativa, com volumes de importações maiores que de exportações.

Para Langoni, o impacto imediato da crise americana acontece nos mercados de risco, como ações e câmbio, mas a maior aversão ao risco pode ocasionar em uma tendência à desvalorização do real.

¿ A fonte do mercado de capitais secou, e assim deve permanecer até meados do ano que vem. No Brasil, não há riscos imediatos para o cidadão comum, a menos que tenha dinheiro aplicado, e isso é inerente ao mercado de ações afirma Langoni.

Diretamente ligado ao mercado de capitais, Álvaro Bandeira, diretor da corretora Ágora, tem opinião diferente

¿ A festa não acabou. Empresas brasileiras de ponta ainda vão obter bons resultados nos próximos trimestres, e, quando a crise acabar, o Brasil estará no radar dos investidores ¿ diz Bandeira.

Ele admite, entretanto, que a crise, num primeiro momento, estimula a aversão ao risco, o que prejudica os papéis mais líquidos de economias emergentes como a do Brasil. As perspectivas do economista, no entanto, são otimistas.

Na mesma linha, quanto às repercussões na Bolsa, está o economista Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES:

¿ Haverá maior timidez das empresas para realizarem projetos de ampliação. Aí, a taxa de crescimento da economia brasileira cai. Se a crise internacional se estabilizar, a gente segura. Mas o que está acontecendo é que os gigantes financeiros americanos estão abalados. E há outros na fila para quebrar.... Se a economia mundial pára de crescer, as reservas brasileiras vão ficar muito abaladas porque os estrangeiros vão tirar dinheiro daqui para segurar a quebradeira lá fora ¿ afirma Lessa.