Título: Caminho de volta à escola
Autor: Samantha Lima
Fonte: Jornal do Brasil, 25/02/2005, Economia, p. A17

Emprego mais difícil provoca aumento de 50% dos jovens entre 15 e 17 anos dedicados exclusivamente ao estudo

O mercado de trabalho perdeu, em uma década, um terço de uma forca de trabalho frágil, barata e cuja existência denota uma perversidade social. De 1993 a 2003, a massa de adolescentes entre 15 e 17 anos que trabalhavam caiu de 44,5% para 29,1%. Desses, a maioria trocou o turno de serviço pelo tempo de aula, indica a Síntese de Indicadores Sociais de 2003, divulgada ontem pelo IBGE. O universo dos jovens que tem nas atividades estudantis sua única obrigação passou de 40,7% para 60,9% no período, uma elevação de 50%. É o caso de Leonardo Patrício de Souza. Aos 17 anos, em 2002, decidiu abandonar os estudos na sétima série do ensino fundamental para trabalhar como office-boy de uma loja de roupas infantis. Morador de uma comunidade carente do Alto da Boa Vista, pretendia reforçar o orçamento doméstico com o salário mínimo que recebia. Seu plano de ingressar no serviço militar não deu certo, porque não foi selecionado. Oito meses depois, ele retomou os estudos onde parou.

- Para quem não tem estudo, encontrar trabalho é muito difícil. Voltei a estudar em uma escola municipal, mas vi que o pessoal era muito bagunceiro e eu não estava aprendendo nada. Resolvi não perder mais tempo e concluí o ensino fundamental no supletivo - explica.

Hoje, Leonardo estuda em um Centro de Ensino Supletivo do governo do Estado na Tijuca. A freqüência não é obrigatória e não existem aulas formais. A predominância é adultos, em busca do estudo perdido. O aluno usa apostilas e tira dúvidas pessoalmente com professores de plantão. No Centro, existem salas de estudo e de provas, que são marcadas à medida que o aluno se sente preparado para fazê-las. O sonho do jovem é trabalhar na área de mecânica.

- Para isso, vou continuar estudando em cursos técnicos, mas já poderei trabalhar. Minha mãe me pressiona para arrumar um emprego, mas preciso terminar o ensino médio antes - comentou.

A orientadora educacional da unidade, Sandra Grimming, diz que a motivação maior desses jovens ainda não é o ingresso na universidade, mas a exigência do mercado de trabalho.

- Simplesmente não há empregos para ele sem essa condição mínima. Mas podemos detectar um interesse pequeno, mas crescente, em obter base para entrar no ensino superior e na carreira pública - destaca.

A técnica do IBGE Bárbara Cobo aponta na legislação uma causa para esse movimento de volta aos bancos escolares.

- A Lei de Diretrizes e Bases, de 1996, dissociou ensino médio e técnico, que, até então, podiam ser feitos em 4 anos, no mesmo curso. Agora, tem que ser feito um de cada vez.

- A criação de políticas como a compensação financeira às famílias pela permanência na escola, como o antigo bolsa-escola e agora o bolsa-família, tem o efeito de uma onda, mantendo o adolescente na escola mesmo quando ele perde o benefício, depois dos 15 anos. A aprovação automática, adotada em vários estados, também motivou a permanência na escola. É um dado a ser comemorado, mas a qualidade da educação que esses jovens recebem pode deixar a desejar - pondera o economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas.

Se o ingresso precoce no mercado de trabalho é determinado pelas necessidades materiais das famílias, a renda gerada por 5 milhoes de brasileiros entre 5 e 17 anos não lhes garante uma condição de vida melhor. O trabalho dessa mão-de-obra não assegura, na média, uma renda melhor para essas famílias. Dos ocupados menores de 18 anos, 48,5% possuem renda familiar per capita inferior a meio salário. Essa faixa corresponde a 44,2% entre os não ocupados.

E as conseqüências se refletem na defasagem escolar na faixa entre 5 e 17 anos, que é elevada. Pelos dados do IBGE, 66,7% deles estão em uma serie escolar que não condiz com sua idade.

Para o futuro, Marcelo Neri prevê a presença cada vez maior do jovem na escola. O economista afirma que o papel da pré-escola - cuja procura cresceu na Síntese do IBGE, é fundamental nesse propósito.

- O percentual de 68% de crianças entre 4 e 6 anos já na escola é impressionante e muito positivo. É nessa fase que a criança acerta a capacidade de aprendizado e isso traz conseqüências positivas para toda a vida escolar.

Mas, num primeiro momento, o avanço da economia pode provocar um retrocesso nesse sentido.

- Na época do plano cruzado, era elevado o percentual de trabalho infantil. O aquecimento da economia, com maior oferta de emprego, pode atrair novamente os jovens.