Título: Aquecimento dos acordos regionais
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Fonte: Jornal do Brasil, 05/08/2008, Opiniao, p. A8

Passada a frustração da Rodada Doha, países vizinhos que aparentemente haviam saído sem consenso sobre o acordo de comércio mundial se vêem obrigados a encarar uma nova etapa do entendimento nas negociações exteriores. Em visita à Argentina, para reunião com Cristina Kirchner e Hugo Chávez, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostrou que previsões acerca das desavenças entre o Brasil e o vizinho parceiro do Mercosul não passarão de especulações. Melhor assim.

Ao acenar para as relações bilaterais, Lula foi aplaudido durante abertura de seminário com mais de 300 empresários argentinos e brasileiros, em Buenos Aires, ao enfatizar que os dois países devem "aprofundar a relação comercial" e atuarem juntos para conquistar novos mercados. A "frustração da Rodada Doha", sublinhou, "exige que nos metamos em outros tabuleiros, e temos de superar distorções e barreiras ao comércio internacional. Nossa aliança estratégica é a espinha dorsal desse projeto".

Ainda que o colapso de Doha seja uma péssima notícia para a economia brasileira, é importante que o ocorrido seja encarado como possibilidade de energização de acordos regionais. Gary Hufbauer, pesquisador de comércio internacional do Peterson Institute for International Economics, em entrevista ao Estado de S. Paulo, prevê aquecimento de negociações de comércio, principalmente, na Ásia. Também crê ser possível que o próximo presidente americano feche um acordo com o Brasil que liberalize a agricultura dos Estados Unidos.

Como indica artigo publicado na edição de domingo do JB, de José Botafogo Gonçalves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), em co-autoria com Christiane Sauerbronn, o Mercosul ganha destaque em um momento em que negociar mundialmente mostra-se quase incompatível. Como sinaliza Gonçalves, trata-se da oportunidade para Brasil e Argentina pensarem "seriamente" na definição de uma política comercial comum no continente. "O Brasil deverá tomar um caminho de negociar novos acordos bilaterais ou regionais enquanto aguarda a retomada das negociações multilaterais". Com atenção a custos políticos envolvidos, em vez de negociar isoladamente, mostra-se mais interessante para o Brasil continuar "debaixo do guarda-chuva do Mercosul que tem dimensões políticas, comerciais e econômicas superiores à soma aritmética dos quatro países componentes do bloco".

Uma negociação do porte da Rodada Doha, como alertou o economista Simão Davi Silber, da Universidade de São Paulo, tem explicações diversas para o seu fracasso. Diferentemente dos 23 integrantes do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (o Gatt, estabelecido em 1947), hoje Doha conta com 153 membros. Tornou-se mais difícil fazer um acordo que agrade a todos. "Basta lembrar que as duas últimas rodadas exigiram sete anos de negociação". Em um horizonte de tempo exagerado, alerta Silber, "as mudanças políticas internas são de ciclo mais curto que sete anos e a representatividade nacional vai mudando ao longo da negociação, dificultando a obtenção de um acordo".

Frente à agenda ambiciosa da Organização Mundial do Comércio, que busca abranger transações comerciais de produtos agrícolas, industriais, serviços propriedade intelectual e ações antidumping, o Brasil segue uma trilha acertada ao se voltar para vizinhos e aliados comerciais da América Latina. Até o momento, as previsões são animadoras. A Argentina liberou, na semana passada, a exportação de 900 mil toneladas de trigo, restritas desde 2007. Um sinal de paz e favorável prenúncio para o Brasil após o fracasso de Doha.