Título: Manduca: `Não precisamos de arrozeiro¿
Autor: Quadros, Vasconcelo
Fonte: Jornal do Brasil, 08/04/2008, País, p. A5

São Marcos (RR)

No meio da tarde, o wapichana Manduca Tavares colhe melancias na roça da Comunidade do Milho, na Terra Indígena São Marcos, área de 111 mil hectares vizinha à Raposa Serra do Sol, onde que a Polícia Federal (PF) pode deflagrar a qualquer momento uma ofensiva para a retirada de arrozeiros e não-índios, como determina decreto de homologação de 2005. O índio aguarda o início da ação com ansiedade.

¿ Desenvolvemos nossa área com nossa própria produção. Não precisamos de arrozeiro ¿ resume Manduca, vice-coordenador da Associação dos Povos da Terra Indígena São Marcos

A lista de produtos inclui ainda mandioca e banana, vendidos nas cidades, assim como carne bovina e suína.

¿ Comemos arroz porque compramos ¿ ressalta o líder indígena, que não poupa críticas aos produtores rurais que ocupam a região.

¿ Eles (arrozeiros) são invasores. Não são de Roraima, não têm 20 anos aqui e vieram usufruir sem dar porcentagem para a população ¿ acusa.

A divisão dos indígenas da Raposa Serra do Sol entre o apoio e o repúdio aos arrozeiros seria, conforme Manduca, reflexo da ocupação da área por não-índios:

¿ A gente vive integrado, mas quando alguém coloca na cabeça dos parentes promessa de ajuda... Os parentes apóiam (os arrozeiros) sem ter conhecimento. São poucos índios que trabalham com eles.

A presença do arrozeiros na região poderia ser até admitida, argumentou Manduca, mas diante de um novo tipo de relacionamento com as comunidades tradicionais:

¿ Podem voltar como parceiros e não invasores. E precisam dar maior assistência.

Para o líder indígena, o fato de os índios da área já adotarem costumes típicos de quem vive nas cidades não significa que possam viver no mesmo espaço que os brancos. Seu argumento vem acompanhado por uma metáfora aprendida com os antepassados:

¿ Um homem tinha um tamanduá e passou cinco anos dando leite para ele beber. Mas o tamanduá não virou bezerro nem vaca ¿ disse.

¿ Podemos usar sapatos e calças bonitas, pegar um avião para ir em Brasília, mas vamos morrer índios.