Título: Energia em 2005: hora de decisão
Autor: Adriano Pires e Leonardo Campos
Fonte: Jornal do Brasil, 13/01/2005, Outras Opiniões, p. A13

Em 2004, a política governamental continuou sem dar uma resposta adequada sobre o papel dos investimentos privados nos setores de energia elétrica, gás natural e petróleo. Em 2005, é chegada a hora da decisão.

Em março de 2004, o presidente Lula assinou as leis que estabelecem as bases do novo marco regulatório para o setor elétrico. Entre os principais pontos do novo modelo, estão a concentração do poder de decisão no Ministério de Minas e Energia, a redução da autonomia da agência reguladora e a proposta populista de garantir modicidade tarifária por meio de diferentes leilões para energia nova e existente.

No final do ano, foi realizado o primeiro leilão de energia existente. Influenciado pela previsão de excesso de oferta até 2008, os preços de fechamento ficaram muito aquém das estimativas de custo para a expansão do parque gerador. Os custos de expansão para uma usina hidrelétrica oscilam hoje entre US$ 32 e US$ 37 por MWh, ou seja, cerca de 63% e 87% acima do preço médio verificado no leilão para entrega de energia a partir de 2005. Uma vez que os preços praticados não remuneram os custos de expansão do setor, a questão de como atrair novos investimentos em geração está em aberta e dependerá das condições contratuais e de preços a serem oferecidos nos leilões de energia nova.

Caso a prioridade do governo seja perseguir a todo custo a modicidade tarifária, os preços da energia nova, provavelmente, não atrairão novos investidores privados. Nesse caso, as estatais teriam que capitanear a expansão setorial, o que seria incompatível com suas obrigações em relação ao ajuste fiscal.

No setor de petróleo, apesar das sucessivas altas de preços no mercado internacional, o governo manteve os preços internos da gasolina e do óleo diesel abaixo do mercado internacional. A prolongada defasagem nos preços mostrou a inviabilidade de novos projetos de refino no Brasil, fora da órbita da Petrobras. No caso da exploração e produção de petróleo, a 6ª Rodada foi marcada pelo risco regulatório. Na véspera, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, em decisão liminar, posteriormente revogada, limitou a participação no leilão a empresas nacionais e estabeleceu que o petróleo extraído não seria de propriedade da empresa concessionária, mas sim da União. Além disso, continua crescendo a hegemonia da Petrobras, cuja participação média saltou de 20% nas duas primeiras rodadas para 70% nas duas últimas. Em contrapartida, os investimentos estrangeiros em extração de petróleo e serviços correlatos caíram 31% em 2004.

Em oposição aos anúncios da estatal, os resultados de 2004 demonstram que o Brasil se afastou do objetivo da auto-suficiência no abastecimento de petróleo e derivados. Entre 2003 e 2004, houve, na verdade, um incremento da dependência externa de petróleo e seus derivados de 7% para 13% do consumo aparente no país. Nos próximos anos, a Petrobras terá que aprimorar seu planejamento para evitar novos atrasos relativos à entrada em operação das plataformas. Caso contrário, sua meta de aumento na produção de 5,9% a.a., projetada até 2010, ficará comprometida. Já o mercado do gás natural destacou-se pelo forte crescimento nas vendas, o maior desde 2002. O crescimento acelerado, no entanto, não foi acompanhado pela criação de um novo marco regulatório. Questões importantes, como a política de preços e tarifas para o gás natural produzido no país, precisam de definições para que ocorra um crescimento sustentável e uma maior participação de capitais privados.

Em 2005, é fundamental tomar decisões para não transformar o setor de energia num obstáculo ao crescimento econômico. Os recentes ''apagões'' e a queda na produção nacional de petróleo são um alerta. No setor de energia elétrica é crucial repensar o papel das termelétricas e mostrar como se dará, concretamente, a participação do capital privado, dentro do esforço de viabilizar investimentos da ordem de R$ 15 bilhões anuais para expansão adequada da oferta de eletricidade. Caso contrário, cresce a probabilidade de novos ''apagões'' com o passar dos anos.

No setor de petróleo, é preciso aceitar que o petróleo e seus derivados são commodities e que a Petrobras deve ter uma gestão empresarial. De outra forma, o Brasil não atrairá novos investimentos e a Petrobras crescerá isolada das pressões competitivas e voltada para atender, basicamente, interesses políticos. No caso do gás natural, espera-se a aprovação de uma lei que considere suas especificidades e a necessidade de atrair mais capitais privados. Por fim, é crucial que o governo reveja o seu projeto de lei sobre as agências reguladoras, em particular, no que se refere à garantia de autonomia destas instituições.

Em 2005, será essencial por parte das autoridades na área de energia ter modéstia para corrigir os rumos quando os resultados se mostrarem insatisfatórios. Com as eleições presidenciais em 2006, tudo ficará mais complicado...