Título: O Brasil e as novas salvaguardas no comércio exterior
Autor: Silvia Pinheiro
Fonte: Jornal do Brasil, 13/03/2006, Economia & Negócios, p. A18

A indústria brasileira conta com três novos mecanismos de salvaguardas aprovados nos últimos meses. Esses mecanismos têm como objetivo comum a contenção de importações, mas com roupagens diversas e alvos selecionados. A salvaguarda solicitada pelo setor têxtil brasileiro, e bravamente negociada pelo Ministério da Indústria com os chineses neste início de ano, veio na forma do que há muito se denomina de "Acordo de Restrição Voluntária" de exportações. "Voluntária", neste caso, significa que, antes de as autoridades brasileiras decidirem pela contenção das importações, os representantes da China concordaram em controlar o volume exportado ao Brasil. Contou em favor do setor têxtil brasileiro, os precedentes americano e europeu, primeiros a negociarem acordos têxteis com a China após a assinatura do Protocolo de Adesão deste país à OMC, Organização Mundial do Comércio. O Protocolo de Adesão da China à OMC prevê, além das salvaguardas para produtos têxteis, a possibilidade de utilização de salvaguardas para produtos diversos, desde que as importações da China estejam provocando "desorganização do mercado" naquele setor. Foi facultado aos membros fazer uso deste recurso até o ano de 2013, período de transição da China para uma economia de mercado, tal como acordado na OMC. O Brasil se precipitou, em relação à grande maioria de seus parceiros comerciais, ao reconhecer a China como uma economia de mercado. Em reação a esta medida, os representantes do setor privado cobraram maior celeridade na publicação de regulamentação interna que possibilitasse o uso de salvaguardas provisórias contra a China. Finalmente, após idas e vindas, as salvaguardas provisórias foram regulamentadas pelo Decreto 5.556/05.

Já são em torno de 30 as petições protocoladas junto às autoridades governamentais brasileiras solicitando a contenção das importações chinesas nos mais variados setores ¿ como alto-falantes, armações de óculos, produtos médicos, entre outros. Já se sabe que os critérios para a obtenção das medidas serão, infelizmente, mais rigorosos do que deveriam ser. Argumenta o governo que os chineses contestam a legalidade do instrumento ante a OMC e que irão acionar naquele organismo os primeiros a fazerem uso da medida. O sabido temor das autoridades em infligir as regras desta organização seria louvável se nossos parceiros comerciais tivessem o mesmo nível de respeito. Ainda para justificar o rigor quanto à avaliação dos pedidos de salvaguarda brasileiros, alegam que foram rejeitados por George Bush os pedidos de dois setores nos EUA. Ora o que tem o Brasil a ver com George Bush? Afinal, até onde se sabe ainda não temos a maior parte da nossa dívida interna financiada pela China.

Espera-se que a salvaguarda provisória, aprovada para conferir ao industrial brasileiro instrumento mais célere que o antidumping ou as salvaguardas gerais, não caia na malha fina da burocracia e no temor infundado de discutível ilegalidade internacional.

Passando para as "salvaguardas argentinas", ou melhor, para o Mecanismo de Adaptação Competitiva ¿ MAC, outra ordem de aspectos merece ser destacada. MAC é o nome sofisticado que se deu para atender às reivindicações de nosso maior parceiro de um time para lá desfalcado chamado Mercosul. Além de nome sofisticado, a regulamentação em si chama atenção pela complexidade. A famosa frase atribuída ao Presidente Getúlio Vargas "Aos amigos tudo; aos inimigos a lei" parece ter alcançado os pampas, agora, argentinos. A benevolência brasileira em relação aos nossos "hermanos" indica que, provavelmente, o quebra-cabeças proposto será seguido à risca pelo produtor brasileiro que desejar uma proteção, enquanto os argentinos farão uso do rápido expediente conferido pelos arts 16 e 20 do Protocolo do MAC.

Em comum, as salvaguardas citadas são instrumentos mais políticos do que técnicos. No caso das duas primeiras, as regulamentações simplórias atestam com clareza o forte componente político das decisões. É necessário, no entanto, destacar que as petições de salvaguarda em análise no governo, formuladas por trinta setores distintos da indústria brasileira, aguardam uma resposta técnica. O desgaste interno para as autoridades nacionais, caso optem por respostas técnicas negativas encobrindo razões políticas, será grande.

O MAC, também de natureza política, apresentou-se em trajes de gala. Ariel Palácios em recente artigo publicado em alguns jornais brasileiros acena com a esperança de o feitiço virar contra o feiticeiro, referindo-se a setores da indústria brasileira como vinho, arroz e trigo que pretendem usar o MAC. No entanto para que isto aconteça realmente, faltariam aqui, mais feiticeiros e menos fadas madrinhas, com abóboras, carruagens e príncipes encantados, sempre dispostas a socorrer nossos parceiros argentinos às custas dos produtores brasileiros e da saúde já debilitada do Mercosul.