Título: As múltiplas facetas na academia
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 18/02/2006, Idéias & Livros, p. 1

Para Italo Calvino, ''um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer''. Na obra de Guimarães Rosa, as mensagens estão latentes nos neologismos, na relação entre ficção e realidade e na geografia, atrativos que fazem dos livros objetos de estudo irresistíveis. Nas trilhas dessas pistas surgem associações que vão desde classificar o escritor como pós-moderno até descobrir nele um lado underground. São publicadas anualmente em centenas de teses defendidas em universidades de todo o Brasil.

Os rosianos, grafados com ''i'' - apesar da preferência do escritor por ''roseano'' -, formam listas de discussão, organizam viagens a Cordisburgo - terra natal do escritor -, e não encontram dificuldade para conseguir orientadores. Não raro, descobrem no doutorado outras facetas do escritor. Foi o caso de Elza de Sá Nogueira, que defendeu no mestrado um projeto sobre Primeiras estórias e analisou no doutorado a tradução em imagens feita por Arlindo Daibert de Grande sertão, ambos na PUC-RJ. No primeiro, Elza estudou o ''manual metafísico'' - como o autor considerava o livro -, para falar sobre as grandes metáforas que povoam a filosofia ocidental. No doutorado, preferiu dedicar-se às artes plásticas, estudo que será publicado este ano pela editora mineira C/Arte:

- Há tanto a ser explorado na obra rosiana, nas traduções, na repercussão de seus livros, nos diários de viagens e na interferência das outras artes, que o surgimento de tantas teses novas não me surpreende. Agora estou começando a estudar parte da sua biblioteca pessoal, instalada na Universidade Federal de Juiz de Fora. E a descobrir um fértil campo para pesquisas nos livros que ele leu e nas anotações que fez.

As inversões, neologismos e criações lingüísticas típicos do escritor não afastaram Leonardo Vieira de um dos mistérios rosianos mais discutidos: o suposto pacto com o diabo que Riobaldo teria feito. Em sua tese de mestrado defendida na Uerj, ele procurou as influências que podem ter ajudado Rosa a elaborar dois níveis do pacto no Grande sertão. O primeiro estaria no enredo, nas referências do protagonista às maneiras de realizá-lo. O segundo estaria na própria linguagem do romance.

- O pacto funciona na obra como momento metalingüístico. Ao chamar o demônio, Riobaldo tenta chamar a própria fala, preencher o silêncio - detalha Vieira.

Além do autor de Grande sertão: veredas, o ''homem-humano-escritor'' (que no fim dos anos 20 começou a carreira literária publicando contos na revista O cruzeiro) também é objeto de estudo. A dissertação de mestrado, recém-defendida por Fábio Flora na Uerj, mostra o lado underground de um escritor que transita pelas esferas da ''alta'' e ''baixa'' cultura, com romances policiais e contos ligados à literatura do gênero.

- O grande sertão não é apenas o que consagra o cânone, mas também o oculto, o que não chega ao público, como o gosto de Rosa pelo desenho Dumbo ou livros de Agatha Christie. Joãozito era, sim, um grande sertão. E tinha muitas veredas.