Título: Como perder uma guerra
Autor: Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 05/02/2006, Rio, p. A25

Com os sapatos pesados e largos no tornozelo - uma botina sem palmilha - o auxiliar de controle de endemias H., 34 anos, caminha diariamente cerca 10 quilômetros para tentar cumprir o trabalho de combate à dengue na cidade. A mochila de plástico, que pesa em média quatro quilos, leva alguns dos equipamentos necessários para localizar os focos do mosquito Aedes aegypti. Os problemas na rotina de trabalho dos cerca de 1.400 agentes da Prefeitura do Rio vão além dos sapatos incômodos e da mochila pesada. Sem condições para trabalhar, muitos acabam negligenciando as ações contra o mosquito. As dificuldades no dia-a-dia dos agentes já começam antes de eles saírem para as vistorias. Segundo eles, não existem Postos de Abastecimentos (PAs) da prefeitura para guardar seus materiais, como os larvicidas. Os PAs ficam em locais cedidos por hospitais, escolas, associações de moradores e comerciantes. São quartinhos apertados nos cantos de imóveis, espaços embaixo de escadas, viadutos, porões, cinemas e banheiros, que abrigam até 10 pessoas.

- Nesses locais, trocamos de roupa, almoçamos e descansamos misturados a larvicidas, ratos, e baratas - indigna-se R., 37 anos, lembrando que além do salário de R$ 669 não recebe dinheiro extra para comprar água ou sequer o lápis usado nas anotações.

Os agentes também reclamam do material de trabalho. Eles contam que o mesmo pesca-larva - equipamento parecido com um coador de café - é usado na coleta das caixas d' água e nos esgotos das residências. As lanternas também estão quebradas. Segundo os agentes, há apenas duas semanas, as suas bolsas velhas - distribuídas em 2002 - foram substituídas por mochilas de plásticos.

- Não temos água sanitária para esterilizar o equipamento e nem sabão. Contaminamos muito mais do que o Aedes - alerta a agente R..

A contaminação também é um risco eminente para os profissionais, que trabalham oito horas diárias. Eles afirmam que faltam materiais de proteção, como repelentes e óculos. As luvas, além de finas, não são descartáveis. Os profissionais também denunciam que não fazem exames de saúde.

- A situação de trabalho desses agentes é o reflexo do cuidado que a prefeitura tem com a saúde pública. Ao contrário do Hospital Souza Aguiar, que tem filas enormes, o drama dos agentes e o índice de infestação do Aedes são invisíveis - avalia o epidemiologista da UFRJ Roberto Medronho.

As denúncias dos agentes já foram identificadas e constam em relatório da Secretaria Estadual de Saúde, gestora do município. No entanto, ações mais eficazes dependem do Ministério da Saúde. A coordenação do Programa Nacional de Combate à Dengue alega que não foi avisada das denúncias. A assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) admitiu que os agentes trabalham em pontos cedidos por outras instituições, mas informou que ''estranha'' as reclamações dos agentes. A SMS garante que tem o cuidado de selecionar espaços com condições de trabalho satisfatórias. Ainda segundo a assessoria, as eventuais quebras de equipamentos são resolvidas prontamente pela a Coordenação de Controle de Vetores. A prefeitura garante que a realização dos exames médicos dos agentes é regular e que eles costumam trabalhar com materiais novos.

Revoltados, os profissionais protestam contra o que chamam de descaso da prefeitura:

- Queremos o bem para todos os cidadãos, mas somos chamados de hienas, considerados burros e tratados com porcos - lamenta outro agente de saúde.