Título: Exportar etanol?
Autor: Joaquim Francisco de Carvalho
Fonte: Jornal do Brasil, 04/12/2005, Opinião, p. A11

Empresários do ramo de exportação, gerentes de trading companies, promotores de negócios e outros intermediários não produtivos enchem a boca para dizer que ''o Brasil vai exportar álcool de cana (etanol) para a China e que essas exportações contribuirão decisivamente para resolver o problema do desemprego no Brasil''. Que idéia! Para interpretar quantitativamente esse desatino, tomemos por base de cálculo o atual consumo brasileiro de gasolina automotiva - que é da ordem de 330 mil barris por dia, em equivalentes de petróleo - e suponhamos que o governo resolva substituir por etanol essa gasolina. A produtividade média dos canaviais brasileiros está em torno de 70 toneladas de cana por hectare por ano e de cada tonelada extraem-se 80 litros de etanol, de modo que temos 5.600 litros de etanol, por hectare, por ano. Dadas as diferenças de poderes caloríficos e de densidades entre os dois combustíveis, seriam necessários 363 mil barris de etanol por dia (ou 19 bilhões de litros por ano), para substituir os 330 mil barris/dia de gasolina. Para não depauperar o solo, os canaviais devem ter uma área bem maior do que a de efetivo plantio e, ao lado disso, há os aceiros e estradas internas. Em suma, a produção dos 19 bilhões de litros etanol por ano demandaria uma área da ordem de 5 milhões de hectares, isto é, 50 mil quilômetros quadrados, maior, portanto, do que a área do Estado do Rio. Isto posto, conjecturemos sobre o que acontecerá caso os ''gênios'' da exportação decidam mesmo exportar etanol para a China. A primeira dúvida que nos assalta refere-se à quantidade a ser exportada. Em pleno boom econômico, aquele país já é o segundo consumidor mundial de petróleo, logo abaixo dos Estados Unidos. De acordo com a Agência Internacional de Energia, o consumo de petróleo na China, que foi de 165 milhões de toneladas no ano de 2000, deverá chegar a 300 milhões de toneladas - ou 6 milhões de barris por dia - em 2020. Boa parte disso irá para a produção da gasolina que será consumida pelos automóveis chineses. Se essa parte corresponder a um terço do petróleo consumido, o que é plausível, daqui a 15 anos a China estará consumindo 100 milhões de toneladas de gasolina, equivalentes a 135 milhões de metros cúbicos de etanol, por ano. A China enfrenta, já sabemos, graves problemas de poluição atmosférica, provocados pela queima de combustíveis fósseis. Seria pois razoável que, para mitigar esses problemas, nossos amigos chineses resolvessem misturar 20% de etanol brasileiro à sua gasolina. Isso criaria para a nossa indústria alcooleira uma demanda de 27 milhões de metros cúbicos de etanol, por ano. Ao preço de R$ 630 por metro cúbico, o etanol produzido valeria cerca de 17 bilhões de reais por ano e faria a festa de usineiros, traders, consultores em comércio exterior e outros intermediários. E demandaria uma área equivalente à metade de São Paulo, sem deixar espaço para as florestas nativas, nem para a agropecuária, nem para os conglomerados urbanos; sem falar da biodiversidade, que seria irremediavelmente comprometida. Imaginemos agora que os inefáveis gênios da equipe econômica de plantão em Brasília, aprisionados em suas estreitas ''visões de contadores'' e acolitados pelos habituais traders e consultores em comércio exterior - todos deslumbrados pela ''festa chinesa'' - resolvam exportar etanol para os Estados Unidos, Europa e Japão. Seria para eles o paraíso... Mas seria uma catástrofe ambiental para o Brasil, que, para dizê-lo de maneira figurada, se veria transformado num imenso canavial, habitado por miseráveis bóias-frias, que ganham menos de 3 dólares por dia;

*Joaquim Francisco de Carvalho é consultor na área de energia