O Globo, n. 32568, 07/10/2022. Opinião, p. 2

Congresso com mais negros e mulheres reflete debate em prol da diversidade



O Congresso Nacional terá em 2023 um conjunto de parlamentares mais diverso. Na Câmara dos Deputados, as mulheres passarão a ser 18% dos 513 deputados, ante os 15% eleitos em 2018. Negros ocuparão 26% das cadeiras, ante 24% há quatro anos. O novo Congresso terá pela primeira vez duas mulheres transgênero e a maior bancada de indígenas da História, com cinco representantes. É verdade que, no Senado, as mulheres perderam dois assentos (haverá apenas dez senadoras entre os 81). Serão, em contrapartida, 20 senadores negros, ante os atuais 14.

Os números da diversidade vêm crescendo eleição a eleição. Embora ainda sejam necessárias pesquisas sérias a respeito, é razoável supor que tenha surtido algum efeito a lei que obrigou os partidos políticos a destinar mais recursos da campanha eleitoral a candidaturas de mulheres e negros — pelo menos na Câmara.

Essa pode ser uma das razões para a transformação, mas certamente não a única. Nos últimos anos, o debate em prol da diversidade tem crescido na sociedade. Está presente nos lares, nas ruas, na cultura, na educação e nos negócios. Faz sentido que o tema se reflita também na política. A maior evidência disso é o aumento de eleitos entre indígenas e transgêneros sem nenhum tipo de lei para favorecer tais grupos.

Fará bem ao Congresso ter um rosto mais parecido com a sociedade. Porém são descabidas as críticas dos que reivindicam paridade perfeita, exigindo que ele espelhe a população, com 51% de vagas para mulheres, 54% para negros etc. Gênero, cor da pele, orientação sexual ou cultura não são os únicos fatores a considerar na escolha dos candidatos. E é óbvio que negros e brancos podem ser aguerridos protetores dos direitos dos indígenas, homens podem defender pautas caras às mulheres e assim por diante. Na mão contrária, deputadas e senadoras podem votar a favor de retrocessos na pauta feminista.

A discussão iniciada depois do anúncio dos indígenas eleitos para a Câmara revela os limites do argumento em favor de cotas de cadeiras para grupos específicos. A esquerda elegeu Sonia Guajajara (PSOL-SP) e Célia Xakriabá (PSOL-MG). A direita elegeu Silvia Waiãpi (PL-AP), próxima à senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF). Para Guajajara, a futura colega Waiãpi não representa a luta dos povos indígenas, pois defende o presidente Jair Bolsonaro. Waiãpi afirma que Guajajara não entende o Norte do Brasil, onde está a maior concentração de indígenas do país, por ter nascido no Nordeste e sido eleita por São Paulo.

Essa troca de farpas é prova de que, na política, não há blocos monolíticos. Negros, mulheres, indígenas, transgêneros e outras minorias podem ser de esquerda ou direita, religiosos ou ateus, liberais ou conservadores. A origem, cor da pele ou orientação sexual de alguém não determina suas crenças políticas. O valor da diversidade não está em ampliar bancadas específicas, mas em assegurar, por meio da maior variedade de origens e histórias pessoais, maior pluralidade de perspectivas para enriquecer o trabalho do Parlamento.