O Globo, n. 32618, 26/11/2022. Opinião, p. 2

Novo governo deveria esquecer tentativa de mudar lei trabalhista



Mesmo que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva tenha dado sinais de que não pretende revogar completamente a minirreforma trabalhista promovida em 2017, circulam na equipe de transição ideias de promover mudanças pontuais. O novo governo faria bem em esquecer o assunto. As mudanças modernizaram parte da legislação trabalhista, ajudaram a gerar e a manter empregos formais.

As evidências de êxito são abundantes. Pelos dados do Ministério do Trabalho, de 2018 até setembro passado foram criados mais de 5,8 milhões de empregos formais no país, embora a informalidade ainda seja alta, ao redor de 40%. O índice de desemprego medido pelo IBGE recuou de quase 14% para os atuais 8,7%. Ignorar tais fatos em nome de uma visão atrasada do mercado de trabalho pode pôr a perder todas essas conquistas.

Não significa que a legislação seja perfeita. Um dos objetivos do PT é fazer ajustes nas regras para o contrato de trabalho intermitente, comum em setores como entretenimento, indústria alimentícia ou consultórios. O contingente de empregados intermitentes aumentou de 72.275 em 2020 para 92.626 no ano passado. De janeiro a setembro, foram abertos 59.158 postos do tipo, com garantia dos direitos trabalhistas e pelo menos parte da contribuição previdenciária paga pelo contratante. O grupo próximo a Lula quer limitar o trabalho intermitente a poucas atividades, como turismo, shows e bufês. Comete-se um erro recorrente: prefere-se uma legislação com direitos inaplicáveis, que vira uma usina de informalidade.

Os principais defensores da revisão das regras trabalhistas são as centrais sindicais, que ainda buscam uma forma de financiar suas atividades depois que perderam o dinheiro fácil do imposto sindical. Ao tornar a contribuição facultativa, a reforma criou um estímulo para as entidades prestarem bons serviços às categorias. A garantia do desconto compulsório na folha de salários incentivava uma indústria de sindicatos irrelevantes, a serviço apenas de seus diretores. Não se pode voltar a esse passado. Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical e União Geral dos Trabalhadores (UGT) se dizem contrárias à volta do imposto, mesma posição defendida por Lula no final dos anos 1970, quando surgiu no sindicalismo.

O trabalho na transição de governo ainda é incipiente. É natural, nesse ambiente, que vicejem demandas de todo grupo de interesse que possa se sentir prejudicado. A equipe da transição precisa saber escolher. Deveria se dedicar a problemas mais urgentes. Não faltam questões políticas mais importantes, do meio ambiente à educação, da segurança à saúde. O novo governo deveria receber propostas para consertar o que está errado, não o que deu certo. Neste momento deveria ignorar qualquer sugestão de mudança na lei trabalhista.