Valor Econômico, n. 4958, 12/03/2020. Brasil, p. A8

BNDES não fará política anticíclica, diz Montezano

Bruno Villas Bôas
Gabriel Vasconcelos
Juliana Schincariol


O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano, disse ontem que a instituição de fomento não pretende adotar, pelo menos por enquanto, nenhuma medida anticíclica como abrir novas linhas de crédito para empresas, reduzir juros dos empréstimos ou ampliar prazos de carência dos financiamentos. Para ele, as medidas não são necessárias no momento porque existem linhas de crédito de funding no mercado. “O que a gente coloca hoje é que essas linhas continuam abertas inalteradas e disponíveis”, disse. “Precisamos esperar e, se porventura tiver uma restrição maior de liquidez, vamos discutir. ”

A necessidade de o governo adotar medidas anticíclicas vem opondo economistas pelo país, na medida em que a disseminação do novo coronavírus e a guerra do preço do petróleo entre Rússia e Arábia Saudita ameaçam empurrar a economia mundial para a recessão, e desacelerar a fraca retomada da atividade econômica brasileira. Ontem o Valor mostrou que o banco tem cerca de R$ 100 bilhões, considerando caixa livre e reservas de segurança, que poderiam ser usados, em parte, para apoiar o setor privado. Essa folga mostraria espaço para atuação mais forte no crédito de bancos públicos (BNDES, CEF e Banco do Brasil), opção que não é consensual entre economistas.

Em entrevista no Rio para apresentar os resultados de 2019, Montezano defendeu que o banco já possui características anticíclicas em seus instrumentos financeiros. Disse que a Taxa de Longo Prazo (TLP) está em 5,09%, o que seria o menor custo da história do banco, inclusive do que a antiga Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). “A gente continua tão competitivo quanto antes. O banco tem condição bem confortável de liquidez e capital, com R$ 140 bilhões em caixa”, disse ele. “Se por ventura algum cliente for fazer emissão de debêntures para iniciar projeto e o mercado fechar, ele pode recorrer ao banco e a gente vai financiar. ”

Apesar disso, os números divulgados ontem mostraram que o banco segue encolhendo. Os desembolsos do BNDES somaram R$ 55,3 bilhões em 2019, queda de 20% frente ao ano anterior, atingindo o menor nível desde 1996, considerando valores deflacionados (ver gráfico nesta página). Na divulgação, o BNDES chegou a informar números ligeiramente diferentes sobre o resultado dos desembolsos. Primeiro, em apresentação na sede do banco, no centro do Rio, mostrou que a liberação havia sido de R$ 55 bilhões. Na mesma apresentação, os valores também apareceram como R$ 54,3 bilhões. Foi só quando os números foram para o site que apareceu a cifra exata: R$ 55,3 bilhões. Montezano previu que as liberações fiquem entre R$ 60 bilhões e R$ 70 bilhões este ano.

Os dados revelam que a queda dos desembolsos foi disseminada entre os grandes segmentos. As liberações para a indústria recuaram 28%, para R$ 8,816 bilhões; para infraestrutura, a queda foi de 20%, para R$ 24,4 bilhões; para comércio e serviços recuaram 48%, para R$ 6,222 bilhões. Exceção foi o desembolso para a agropecuária, que totalizou R$ 15,87 bilhões, variação positiva de 8%.

A liberação de recursos para para micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) respondeu por 48,4% do desembolso total no ano passado, atingindo R$ 26,78 bilhões. Esse valor, porém, foi 13% menor do que em 2018. De acordo com o banco, houve 265.129 operações com MPMEs no ano passado, queda de 11% sobre 2018.

Na mesma direção, as consultas por financiamento do banco - termômetro do interesse por empréstimos na instituição - somaram R$ 61,78 bilhões em 2019, queda de 37% e também o menor nível desde 1996. As aprovações de empréstimos recuaram 34% em 2019, atingindo R$ 63,07 bilhões.

Montezano reiterou, como vem fazendo, que os desembolsos não são importantes e o que importa é o papel social do banco, a maneira como a instituição pode ajudar a melhorar a vida das pessoas. A queda dos indicadores operacionais do BNDES reflete, no entanto, uma combinação de menor interesse do empresariado por investimentos, em período de ociosidade elevada e de baixo crescimento da atividade, com a política do atual governo de reduzir o tamanho do banco. O mercado de capitais tem dado sinais de que é capaz de suprir, pelo menos em parte, a lacuna deixada pelo BNDES.

Ao Valor, Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional e hoje diretor do ASA Bank, disse recentemente que indicadores sugerem que o mercado de capitais tem ocupado, em boa medida, o “espaço antes suprido pelo BNDES”.

Sobre a transferência de recursos para a União, o BNDES informou que o valor chegou a R$ 142,2 bilhões no ano passado. Desse total, R$ 123 bilhões foram devoluções ao Tesouro (R$ 100 bilhões de antecipação e R$ 23 bilhões em pagamentos ordinários). Mais R$ 9,5 bilhões foram pagos em dividendos e R$ 9,7 bilhões em tributos.

De acordo com Montezano, a previsão é devolver R$ 17 bilhões ao Tesouro Nacional em 2020. O presidente do banco disse que o valor é inferior aos R$ 25 bilhões informados no ano passado porque uma parte foi devolvida com o pré-pagamento ao Tesouro. “[Para além disso] A gente está discutindo ainda. Não fechamos com o Tesouro o volume de antecipação neste ano. No cenário atual, pode ser mais prudente esperar para dar o número total de devolução. Talvez a gente faça parcela a parcela e não dando o valor do ano inteiro. ”

Em 2019, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e o PIS/Pasep representaram 43% das fontes de recursos do BNDES. É uma fatia maior do que os 36% de 2018. A parcela do Tesouro respondeu por 27% do total em 2019 (que foi de 38% em 2018).