O Globo, n. 32603, 11/11/2022. Opinião, p. 3
Apagão de dados e eleição
Helena Aragão
Joara Marchezini
Oona Castro
Acabamos de sair de um processo eleitoral conturbado, caracterizado por muita disseminação de desinformação, que prejudicou o debate público.
Ambos os casos, reais, aconteceram tendo como justificativa oficial a Lei 9.504/97, a “Lei Eleitoral”. Ela determina diretrizes para evitar o uso da máquina pública na promoção de candidatos vinculados ao governo vigente. No que concerne à informação pública disponível em ambiente virtual, durante o período de defeso (três meses anteriores ao pleito, ou quase quatro em caso de segundo turno), sites e redes sociais dos órgãos públicos não podem veicular publicidade institucional.
Na prática, entretanto, parece a decisão de um prefeito que opta por tirar todos os coqueiros da orla para evitar que um deles caia sobre alguém. A metáfora se aplica porque muitos conteúdos são retirados dos sites públicos nesse período indiscriminadamente. Isso prejudica agências de checagem e organizações da sociedade civil, mas também o cidadão que busca informações para decidir seu voto. O Instituto Nupef encontrou casos em que a Lei Eleitoral foi usada para justificar a retirada de conteúdo, mas não identificou o critério adotado, já que nem tudo era publicidade institucional. Os motivos para esse apagão às vésperas do período eleitoral podem ser vários, mas a prática esconde um problema mais amplo: há receio de manter no ar informação indevida, mas não há o mesmo nível de constrangimento em retirar uma informação que deveria ser pública.
Num contexto em que 25% dos brasileiros afirmam se informar pelas redes sociais (pesquisa DataSenado/2022), a ausência de uma política que privilegie conteúdos públicos como fontes confiáveis contribui para lançar os cidadãos ao mar de desinformação. Além disso, quase metade da população depende de planos pré-pagos, com franquias limitadas, fazendo dos aplicativos de mensagens (com oferta de tarifa zero) o principal canal de acesso à informação e inibindo a navegação por sites diversos. O combate à desinformação tem se concentrado no contraponto à fábrica (potencialmente infinita) de mentiras e distorções —algo importantíssimo, sobretudo quando interligado às políticas das plataformas, mas insuficiente para conter a disseminação de notícias falsas. Sem a valorização da transparência ativa, a desinformação encontra o ambiente fértil para se propagar.
O fenômeno já era observado noutros pleitos, inclusive municipais. Mas nesta eleição especificamente foram aplicados dois pesos e duas medidas: de um lado, a invisibilidade de informações públicas; de outro, o intenso uso da máquina pública, com ampliação de auxílios (que vêm ancorados na PEC Eleitoral, interpretada por muitos como um drible às limitações impostas pela Lei Eleitoral e às regras fiscais).
Quando a Lei Eleitoral voltar à pauta em 2023, precisaremos refletir sobre como evitar efetivamente o desequilíbrio da disputa em favor de candidatos à reeleição, simultaneamente ao fortalecimento do acesso à informação como uma política de Estado, não de governo. Diminuir a circulação de informações de interesse público num momento tão crucial como as eleições soa tão desproporcional quanto cortar todos os coqueiros da orla.