O Globo, n. 32652, 30/12/2022. Política, p. 4

Foco na governabilidade

Dimitrius Dantas
Jeniffer Gularte
Alice Cravo
Paula Ferreira
Eduardo Gonçalves
Bruno Abbud
Manoel Ventura


De olho na governabilidade, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva anunciou ontem os 16 ministros que faltavam e, daqui a dois dias, dará início à gestão com maior fragmentação partidária de seus três mandatos. O petista dividiu as 37 cadeiras de primeiro escalão por nove legendas, na tentativa de conciliar a agenda mais à esquerda desejada pela militância de sua sigla e o pragmatismo necessário para aprovar propostas no Congresso.

 

Somados, os partidos que vão integrar o governo respondem por 262 deputados e 45 senadores, que garantem maioria simples nas duas Casas. O número não é suficiente para aprovar Propostas de Emendas à Constituição (PEC), que necessitam de 308 votos na Câmara e 49 no Senado. Além disso, as siglas de centro agraciadas por Lula, como o MDB e, sobretudo, União Brasil, deverão ter defecções, pois abrigam políticos declaradamente simpáticos às pautas da direita, alguns deles ligados ao presidente Jair Bolsonaro. Por outro lado, contudo, membros de siglas do chamado Centrão, principalmente PP e Republicanos, podem votar com o governo em alguns temas.

Apesar da fragmentação partidária, que reflete a promessa de Lula em formar uma frente ampla a partir de 2023, a legenda do presidente eleito lidera com folga o ranking de ministérios. São dez petistas no primeiro escalão. Em 2003, quando Lula chegou ao Palácio do Planalto pela primeira vez, eram 19, e em 2007, primeiro ano do segundo mandato, 16 correligionários na Esplanada. Agora, embora tenha ficado com menos cadeiras, o PT ocupará postos chave, como a Fazenda, entregue ao ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad; a Educação, ao ex-governador do Ceará Camilo Santana; e o Desenvolvimento Social, responsável pelo programa Bolsa Família, cujo titular será Wellington Dias, ex-governador do Piauí.

A sigla também ficará com os cargos da chamada "cozinha do Planalto", ministérios que funcionam no Palácio, um espaço cobiçado pela proximidade diária com o presidente. Rui Costa (Casa Civil), Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Marcio Macêdo (Secretaria-Geral).

No desenho costurado por Lula, as legendas de centro —MDB, PSD e União —, determinantes para o sucesso da futura administração no Congresso, terão três ministérios, cada uma delas. Trata-se de mais um indicativo de que, neste ano, Lula precisou partilhar o poder entre mais forças na tentativa de pavimentar uma base sólida. A realidade no Parlamento também é outra, comparada com os dois quadriênios em que o petista chefiou o Executivo. Em 2006, por exemplo, o MDB contava com uma bancada de 31 senadores, exatamente o mesmo número de representantes que União, PSD e MDB, somados, terão na Casa a partir de 2023.

O União Brasil, a princípio, ficará com dois ministérios, mas o governador do Amapá, Waldez Góes, hoje no PDT, deve migrar para a sigla. Ele foi o escolhido para a Integração Nacional por indicação do senador Davi Alcolumbre, cacique do União. Ao anunciar Góes, o presidente eleito fez questão de deixar a nomeação na conta de Alcolumbre.

— O companheiro Waldez é do PDT, mas foi indicado pelo União Brasil — disse Lula, que aproveitou para elogiar Alcolumbre.

Essa é mais uma diferença marcante em relação aos dois mandatos anteriores de Lula: no primeiro, praticamente todos os cargos de primeiro escalão foram entregues afiliados a partidos de esquerda — algumas exceções eram Anderson Adauto, ministro dos Transportes, filiado ao PL, legenda do então vice-presidente, José Alencar; e Walfrido Mares Guia, à época, no PTB.

Ao escalar sua equipe, Lula não perdeu de vista sua sucessão — ele já declarou que não disputará a reeleição. O presidente eleito deu um lugar de destaque para Haddad, que disputou a Presidência pelo PT em 2018 e é considerado um nome natural. E embora não tenha dado à senadora Simone Tebet (MDB-MS) o ministério que ela queria, o Desenvolvimento Social, Lula a deixou em sua órbita. A emedebista assumirá o Planejamento.

Ao escalar sua equipe, Lula não perdeu de vista sua sucessão — ele já declarou que não disputará a reeleição. O presidente eleito deu um lugar de destaque para Haddad, que disputou a Presidência pelo PT em 2018 e é considerado um nome natural. E embora não tenha dado à senadora Simone Tebet (MDB-MS) o ministério que ela queria, o Desenvolvimento Social, Lula a deixou em sua órbita. A emedebista assumirá o Planejamento.

A divulgação de quase metade dos ministros a três dias da posse expõe a incapacidade de Lula em contemplar todos as forças políticas com quem negociou. Reservadamente, petistas admitem que a fotografia final deixou fios desencapados, principalmente entre aliados na Câmara, que precisarão ser corrigidos em breve.

Reflexo dessa dificuldade, parte dos nomes foi definida horas antes do anúncio. A indicação do deputado Juscelino Filho (União-MA) ao Ministério das Comunicações, por exemplo, se confirmou apenas ontem de manhã, durante reuniões entre o presidente eleito e Alcolumbre, em Brasília. Pouco conhecido no cenário nacional, ele chegou a ser barrado na entrada do auditório do Centro Cultural Banco do Brasil, onde ocorreu a cerimônia de divulgação. Os agentes da Polícia Federal que faziam a segurança do local não o identificaram. Filho precisou fazer ligações à assessoria e pular o canteiro para atravessar a grade de isolamento e entrar no auditório, onde seria nomeado minutos depois. Outra que entrou na lista de escolhidos na reta final, a deputada federal eleita Daniela do Waguinho (União-RJ) assumirá o Turismo, pasta que inicialmente seria entregue a Juscelino Filho.

Reflexos do aperto

Até instantes antes de deixar o hotel em que está hospedado rumo ao CCBB, Lula ainda mantinha conversas em torno dos nomes que iria divulgar. Marcado para 11h, a cerimônia começou com uma hora e 47 minutos de atraso. Pela manhã, o presidente eleito recebeu o presidente do PDT, Carlos Lupi, que assumirá o Ministério da Previdência, e o presidente do União Brasil, Luciano Bivar. Quando Bivar chegou ao local para ser recebido pelo presidente eleito, acompanhado do deputado federal e futuro ministro da Articulação política, Alexandre Padilha (PT), Alcolumbre já estava a portas fechadas com o petista.

Ao chegar no auditório, Lula listou seus escolhidos e resumiu o processo que capitaneou nos últimos dias.

— Depois de muito trabalho, muita tensão, muita conversa, depois de muito ajustes, nós terminamos de montar o primeiro escalão do governo —falou, cercado da nova equipe.

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