Valor Econômico, n. 4950, 29/02/2020. Brasil, p. A11

China pressiona Brasil a mudar voto em órgão de propriedade intelectual
Assis Moreira


A China pressiona o Brasil a reconsiderar seu voto para o candidato apoiado pelos EUA na eleição para a direção-geral da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI). O Valor apurou que Pequim oferece agora inclusive um pacote de vantagens econômicas ao país.

A eleição do novo diretor-geral, com mandato de seis anos, ocorrerá na quarta e quinta-feira em Genebra, em meio à guerra tecnológica travada entre a China e os EUA. Pequim vê a votação como uma grande oportunidade de liderar a entidade focada em inovação e papel importante na normatização de novas tecnologias.

Há seis candidatos, mas a disputa está mesmo entre a chinesa Wang Binying e o candidato apoiado pelos EUA, o representante de Cingapura, Daren Tang. Os outros concorrentes são de Gana, Cazaquistão, Colômbia e Peru. O Japão abandonou a disputa para apoiar o cingapuriano.

Sob pressão de todos os lados, o Brasil na semana passada enviou “nota verbal” ao governo de Cingapura confirmando apoio ao seu candidato. Mas a China imediatamente reagiu junto ao governo brasileiro, inconformada com o voto contra seu candidato, e manteve a pressão, pedindo para o governo de Jair Bolsonaro rever sua posição.

Para isso, Pequim ofereceu ao Brasil um pacote de “vantagens econômicas”: contratos de longo prazo na compra de commodities agrícolas e minerais; investimentos nas áreas de petróleo e infraestrutura; e posições de alto nível para brasileiros na OMPI e também na UPOV, que é a União Internacional para Proteção de Novas Variedades de Plantas.

As ofertas não vêm com cifras e parecem complementar o que Pequim já andou prometendo ao Brasil. Sobretudo, ilustram a que ponto a OMPI é importante na estratégia chinesa. Brasília não tinha respondido até sexta-feira aos chineses, que são os maiores compradores de produtos brasileiros no mercado global. As indicações são de que o governo brasileiro manterá sua preferência pelo candidato dos EUA em nome da parceria entre as administrações de Bolsonaro e de Donald Trump.

Desta vez o Brasil planeja inclusive votar desde a primeira rodada no candidato dos EUA. Vai ignorar a prática de, numa eleição com muitos candidatos, votar inicialmente em aliados regionais e, só depois desses serem eliminados, alterar seu apoio.

Para certos observadores, a posição brasileira podia a esta altura ser menos desconfortável, se tivesse apresentado um candidato próprio, José Graça Aranha, que perdeu a eleição na OMPI em 2008 por apenas um voto.

“Apesar de eu ter muito boas chances, com apoio dos EUA, da Europa, da África e dos latinos, o governo brasileiro por alguma razão decidiu não me apoiar. A América Latina não tem candidato forte, e sem dúvida a vitória vai para um país asiático”, afirmou Graça Aranha, hoje diretor regional da OMPI nas Américas, com sede no Rio de Janeiro.

“É uma pena que o Brasil não esteja na disputa, porque, até pelo princípio de rotatividade não escrita, agora seria a vez da Ásia ou da América Latina. ”

Ele é visto em setores do governo como “internacionalista de propriedade intelectual”. E é acusado de ligações fortes com o ex-chanceler Celso Amorim, nome que causa forte irritação na Esplanada dos Ministérios.

Para os EUA, a eleição na OMPI é bem diferente daquela em boa parte das outras organizações internacionais. Peter Navarro, assessor direto de Trump para comércio internacional, escreveu no jornal “Financial Times” que seria um “erro terrível” deixar a China assumir o controle da organização que regula sistemas gerenciando 43 milhões de documentos de patentes, além de ter milhares de pedidos de patentes não publicados e informações comercialmente sensíveis de mais de 200 jurisdições.

Navarro acusa a China de receber apoio de países onde se tornou grande doadora ou fonte de ajuda. Segundo ele, Pequim ofereceu cancelar dívidas de alguns países africanos, antes da eleição para diretor-geral da FAO, a agência da ONU para Agricultura e Alimentação. O candidato chinês ganhou.

Um grupo de senadores republicanos e democratas escreveu a Trump para barrar Pequim, enfatizando que a intenção da China de liderar a OMPI coloca uma ameaça à segurança econômica dos EUA e à integridade dos direitos e padrões de propriedade intelectual internacionais.

A China reagiu na semana passada. Seu embaixador junto às Nações Unidas em Genebra, Chen Xu, acusou Washington de ameaçar e chantagear países médios e pequenos a não votar pelo candidato chinês, sob pena de sofrerem consequências nas relações com os EUA ou perderem empréstimos junto ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

Com o recuo de Trump nas organizações internacionais, a China ganhou crescente influência e hoje dirige quatro das 15 agências especializadas da ONU: União Internacional de Telecomunicações (UIT), Organização da Aviação Civil Internacional e Agência para Desenvolvimento Industrial (Onudi), além da FAO. Com a OMPI, seria a quinta, enquanto nenhum outro país tem mais de uma.

A avaliação de certos observadores é de que, uma vez nomeados, os diretores chineses têm tendência a se comportar antes de tudo como instrumentos da política de Pequim, abusando de suas responsabilidades de funcionários internacionais.

A candidata chinesa na OMPI é Wang Binying. Ela entrou na organização em 1992 e é diretora-geral-adjunta desde 2008. O concorrente de Cingapura é diretor do Escritório de Propriedade Intelectual daquele país.