Valor Econômico, n. 4950, 29/02/2020. Brasil, p. A4 

Alta recente da inflação interrompe melhora da renda dos trabalhadores
Bruno Villas Bôas
Thais Carrança


A inflação mais alta dos últimos meses corroeu parte dos salários neste início de ano. A renda real habitualmente recebida pelos trabalhadores ficou estável no trimestre móvel de novembro a janeiro, na comparação com o mesmo período do ano anterior, no valor de R$ 2.361. A pausa ocorreu após quatro meses de ganhos reais, ainda que modestos.

De acordo com economistas, a estabilização recente é explicada em parte pela aceleração da inflação nos últimos meses do ano passado, quando os preços da carne tiveram forte alta, refletindo a maior demanda da China, após uma peste ter reduzido o plantel de suínos no país. A inflação medida pelo IPCA atingiu 4,19% em janeiro deste ano, acima do centro da meta de inflação para 2020 (4%).

A boa notícia é que o impacto dos preços das proteínas sobre a inflação tem se confirmado como um evento transitório. Em fevereiro, a prévia da inflação oficial, medida pelo IPCA-15, mostrou uma queda de 5% do preço das carnes. A expectativa é que, neste mês, a inflação siga em desaceleração e feche o ano próxima de 3,20%.

Para a LCA Consultores, a renda real de todos os trabalhos deve encerrar 2020 com crescimento real de 1,5%, refletindo a melhor composição do emprego. Para Cosmo Donato, economista da LCA, esse crescimento, ainda que relativamente modesto, vai refletir a melhora da composição do emprego de uma maneira abrangente.

“O trabalho por conta própria começa a refletir cada vez menos o emprego precário e mais essas novas relações de trabalho, como aplicativos de transporte, que remuneram um pouco melhor”, afirma Donato, para quem o rendimento também deve mostrar algum crescimento neste ano com a recuperação do emprego com carteira assinada.

Para Thiago Xavier, da Tendências, a renda deve crescer na faixa de 1% neste ano. Para ele, o incremento não será maior por causa da lenta recuperação da atividade econômica e da ociosidade da economia, que limita o poder de barganha de quem está inserido no mercado de trabalho. “Existem 26 milhões de trabalhadores subutilizados”, lembra ele.

Dados do boletim Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), também endossam a falta de poder de barganha neste início de ano. Apenas 25,2% das negociações salariais coletivas resultaram em ganhos reais para os trabalhadores em janeiro.

O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) prevê aumento mais tímido da renda em 2020, de apenas 0,7%. "Os resultados da renda dos últimos meses já mostravam algo tímido em relação à recuperação, quando comparados aos últimos anos", diz Daniel Duque, pesquisador do Ibre.

Apesar da estabilidade da renda no início deste ano, a massa salarial brasileira (soma das rendas) cresceu e atingiu R$ 217,4 bilhões no trimestre móvel encerrado em janeiro, 2,2% acima do mesmo período do ano passado. Isso foi possível devido ao maior número de pessoas ocupadas (empregados, empregadores e servidores, por exemplo).

Dados divulgados no fim da semana passada pelo IBGE mostraram que a taxa de desemprego nacional foi de 11,2% no trimestre móvel até janeiro, melhor do que a mediana dos analistas (11,3%) e também que o resultado de um ano antes (12%). Mas os economistas avaliam que essa surpresa se deveu mais pelo aumento da inatividade (redução da busca por emprego) do que pela geração de vagas.

A população fora da força de trabalho (que não estava empregada nem procurando emprego, com 14 anos ou mais de idade) registrou aumento de 1,3% no trimestre móvel até janeiro, com 873 mil pessoas indo para a inatividade. Esse contingente é um recorde para a pesquisa domiciliar do IBGE, iniciada em 2012.

Segundo Adriana Beringuy, analista do IBGE, a saída de pessoas para a inatividade neste início de ano pode estar ligada à sazonalidade do período. “Não é um movimento inédito, embora tenha sido mais intenso neste ano” disse a especialista, acrescentando que parte desses indivíduos pode ter voltado a procurar emprego em fevereiro ou março.

Os setores de comércio e transportes lideraram as contratações no trimestre móvel até janeiro, ao passo que a administração pública e agricultura foram os que mais dispensaram, de acordo com os dados do IBGE.