O Globo, n. 32642, 20/12/2022. Opinião, p. 2

Supremo acertou ao acabar com o orçamento secreto



Fez bem o Supremo Tribunal Federal (STF) ao proibir ontem o mecanismo orçamentário que permitiu aos presidentes da Câmara e do Senado destinar nos últimos três anos perto de R$ 55 bilhões em dinheiro do contribuinte a projetos escolhidos pelos parlamentares sem transparência nem critério técnico. Ao limitar drasticamente o uso das emendas do relator-geral, identificadas nas leis orçamentárias pela sigla RP9 e conhecidas pelo apelido “orçamento secreto”, o Supremo libera os R$ 19,4 bilhões previstos para elas no Orçamento de 2023 e lança sobre o Legislativo o dever de estabelecer e seguir regras mais republicanas e transparentes no uso do dinheiro público.

Com o fim das RP9s, passam a valer na distribuição das verbas a parlamentares apenas os critérios já vigentes para as emendas individuais e de bancada: distribuição igualitária e impositiva (o Executivo é obrigado a executar os pagamentos). Deixam de valer as regras do Projeto aprovado às pressas no Parlamento na sexta-feira passada, na tentativa de atrair votos recalcitrantes do Supremo para manter as emendas do relator.

É verdade que tal Projeto representava um avanço sobre a situação anterior ao impor que todas as emendas fossem associadas ao nome do parlamentar que patrocina os projetos. Mesmo assim, ainda deixava a alocação de 20% das verbas nas mãos dos presidentes da Câmara, do Senado e do relator-geral do Orçamento. Isso significaria, em 2023, cerca de R$ 1,45 bilhão distribuído segundo o alvitre exclusivo do presidente de cada uma das Casas Legislativas, valor superior ao orçamento de 14 ministérios, só superado pelas verbas destinadas à Defesa, Infraestrutura, Educação e Saúde.

As mudanças não convenceram o ministro Ricardo Lewandowski, que suspendera a votação na semana passada para que se aguardassem as providências que o Congresso tomaria a respeito. Lewandowski acabou acompanhando o voto da relatora, ministra Rosa Weber, que restringe o uso das RP9s apenas a ajustes e correções técnicas pontuais, vedando a criação de novas despesas. Ao justificar a inconstitucionalidade do mecanismo, ela argumentou que as RP9s concentram poder na mão de um grupo restrito de parlamentares, abrindo espaço a barganhas políticas inaceitáveis com o dinheiro público.

O fim do orçamento secreto não acaba, porém, com o problema de fundo que propiciou sua criação: a dificuldade de encontrar um método eficaz para o Executivo negociar apoio a seus projetos no Congresso num regime de alta fragmentação partidária, em que grande parte das legendas está mais interessada em verbas e cargos no governo do que em ideologia ou discussões programáticas.

A redução gradual dessa pulverização, como resultado da minirreforma política de 2017, contribuirá para aprimorar a relação entre os Poderes. Mesmo assim, ainda cabe aos legisladores estabelecer mecanismos por meio dos quais o dinheiro dos impostos possa ser destinado de acordo com necessidades tecnicamente justificadas, de modo transparente, preservando o papel do Legislativo ao confeccionar o Orçamento, mas também o do Executivo ao executá-lo.