O Globo, n. 32642, 20/12/2022. Política, p. 4

STF derruba orçamento secreto

Aguirre Talento
Geralda Doca


O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou ontem por 6 votos a 5 o chamado orçamento secreto, artifício por meio do qual deputados e senadores destinavam verbas da União sem precisarem se identificar e sem isonomia. A decisão, que considerou o instrumento inconstitucional, provocou reações quase imediatas no Congresso, sobretudo por parte de caciques do centrão, como o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Na prática, a sentença reduz o poder dos principais nomes do Legislativo: o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que capitaneavam a partilha entre os congressistas.

Ao todo, os parlamentares já destinaram R$ 53,4 bilhões do orçamento secreto desde 2020, quando ele foi implementado. Para o ano que vem estavam previstos mais R$ 19,4 bilhões para a rubrica.

A interlocutores, tanto Lira quanto Pacheco disseram estar convictos de que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), atuou nos bastidores junto a ministros do Supremo para enterrar as emendas de relator, a ferramenta usada para executar o orçamento secreto. Agora, nomes importantes do centrão na Câmara articulam um contra-ataque ao petista.

Logo após a decisão do tribunal, deputados inconformados coma sentença já começaram ase articular para esvaziar o texto da PEC da Transição. O projeto apresentado por aliados de Lula abre espaço de R$ 168 bilhões no orçamento do anoque vem e está previsto para ser votado hoje na Câmara.

Ele já foi aprovado no Senado. Arthur Lira indicou a aliados que a votação está mantida para esta tarde.

Outro ponto articulado por líderes na Câmara é realocar os recursos das emendas de relator na rubrica das emendas individuais, de execução obrigatória pelo governo (leia mais na página 5).

Um dos principais nomes do centrão, Ricardo Barros classificou a decisão do Supremo como uma “usurpação”.

— Estamos esperando que agora eles (magistrados) votem o orçamento da União no plenário do STF. Podem assumir plenamente as prerrogativas do Legislativo —ironizou Barros.

Na Câmara, aliados próximos a Lira tentavam empurrar a derrota aplicada pelo STF para o colo de Pacheco. Em reservado, lembraram que o Presidente do Senado foi quem se reuniu na semana passada com o ministro do Supremo Ricardo Lewandoski, um dos que ontem votaram pela inconstitucionalidade do orçamento secreto.

Placar apertado

Na ocasião, o senador e o magistrado conversaram sobre uma medida adotada de última hora pelo Congresso para tentar salvar o orçamento secreto. Trata-se de uma resolução, aprovada pelo Legislativo, que alterava as regras do instrumento de partilha de verbas sem transparência. Estipulava, por exemplo, que 80% do valor reservado às emendas de relator passariam a ser distribuídos de forma proporcional à representação dos partidos no Congresso. Era uma tentativa de sinalizar ao Supremo que o Parlamento estava disposto a dar mais transparência à ferramenta. Não adiantou.

Ontem, o Supremo retomou o julgamento iniciado na semana retrasada, com um placar a de 5 a 4 em favor da derrubada do orçamento secreto. Lewandowski acompanhou a relatora do processo, a presidente da Corte, Rosa Weber, e votou pela ilegalidade da ferramenta.

— A sistemática ainda vigente afronta as normas constitucionais que regem a matéria, colidindo em especial com o princípio republicano — argumentou Lewandowski, ao se manifestar no julgamento.

Também ontem outro integrante do tribunal, Gilmar Mendes, votou em sentido oposto ao considerar as emendas de relator constitucionais. Assim como ele, André Mendonça, Kássio Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli já haviam defendido que o instrumento poderia valer desde que passasse por ajustes capazes de garantir mais transparência e equidade à destinação de recursos.

Aras muda de ideia

No final do julgamento, um episódio incomum: o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a palavra para anunciar uma mudança de posição e aderir ao voto de Rosa Weber pela inconstitucionalidade do mecanismo. Antes, a Procuradoria-Geral da República (PGR) havia se manifestado em defesa do orçamento secreto.

Em sustentação no início do julgamento, a vice-procuradora-geral Lindôra Araújo chegou a pedir “respeito” à atuação dos parlamentares e rebateu acusações de desvios de recursos pelo uso do instrumento. Aras solicitou à presidente do STF que registrasse em ata a sua mudança de posição e disse que a manifestação anterior havia sido feita em um momento de “cognição incompleta". Sua manifestação foi feita depois que todos os onze ministros proferiram seus votos, que deram ao julgamento o resultado de 6 votos pela derrubada do orçamento secreto e cinco a favor de sua constitucionalidade.

Ao proclamar o resultado do julgamento, a presidente da Corte determinou ao governo federal a divulgação, em um prazo de 90 dias, dos detalhes das obras realizadas por meio de pedidos do orçamento secreto e declarou que o mecanismo não se compatibiliza com a Constituição.