Valor Econômico, v. 20, n. 4902, 17/12/2019. Opinião, p. A14


CoP-25 fracassa e só UE mostra ousadia na agenda ambiental

 

A conferência do clima da Organização das Nações Unidas em Madri (CoP-25) foi um fiasco. Após a informação de que as emissões de gases de efeito estufa voltaram a subir e bateram o recorde de 33,1 gigatoneladas, seria previsível que soasse um sinal de alerta nos 197 países que assinaram o Acordo de Paris e que eles buscassem coordenar esforços para resolver as questões pendentes - como a criação de um mercado global de créditos de carbono - comprometendo-se com metas mais ousadas já em futuro próximo. Com o esforço atual já consolidado, a temperatura do planeta aponta para uma elevação de 3,2 graus centígrados no fim do século. O limite da prudência é 1,5o C e o objetivo do acordo é não deixar que ultrapasse os 2o C. Na CoP-25 não houve acordo sobre praticamente nada.

Depois de maratona de duas semanas, encerrada com 44 horas de atraso, o máximo de compromisso que os países participantes puderam fazer foi o de “refletir” para que em 2020 aumentem a emissão de suas metas “o máximo que puderem”. Houve grandes divergências, pelo segundo ano seguido, sobre o artigo 6, que regula os créditos de carbono e cria um mercado global. China, Índia e Brasil emperraram um acerto, pois, entre outras coisas, querem que sejam reconhecidos os créditos de carbono criados pelo protocolo de Kyoto, de 1997. São US$ 4,3 bilhões - 60% da China, 10% da Índia e 5% do Brasil.

Esse foi um entrave adicional, que entrou em uma manobra em que o Brasil e a Austrália foram os principais protagonistas. Os representantes do governo Bolsonaro não aceitaram um ponto essencial, o de que os créditos vendidos, decorrentes da redução das emissões de carbono, sejam abatidos da meta nacional, sem provocar a dupla contagem apontada  pelos europeus. O ministro Ricardo Salles tinha como meta obter mais financiamento para a área, mas com o enorme aumento do desmatamento na Amazônia e a destruição do Fundo Amazônia por sua interferência, não era difícil prever que sairia de mãos abanando.

O Brasil foi um catalisador de acordos e progresso nas conferências do clima. Desta vez, Donald Trump retirou os EUA do Acordo de Paris e Ricardo Salles complementou por dentro o trabalho destrutivo do líder americano ao se juntar aos que vetaram o termo “emergência climática”, se opor à menção a direitos indígenas e humanos no artigo 6 e se recusar a discutir uso do solo e poluição dos oceanos como fatores que agravam o aquecimento global, como tem relatado os recentes estudos do IPCC.

Um recuo no interesse dos principais países emissores tornou a CoP-25 refém do malogro. A agenda dos EUA sobre o ambiente é destruidora e negacionista. A China, maior emissor mundial, poderia ter ocupado um lugar de destaque, mas renunciou a isso - voltou a investir em usinas a carvão e os reduziu em fontes renováveis. Os dois países, mais Índia, Indonésia, Rússia e Brasil, despejam na atmosfera 27 bilhões de toneladas de CO2, ou 80% das emissões. Os russos têm baixa influência nas negociações, a Índia joga na retranca e o Brasil passou-se de vez para o lado dos que não veem grandes riscos no aquecimento global, enquanto desmonta todo o aparato institucional de proteção ambiental e dá sinal verde à devastação em território nacional.

A grande e boa notícia veio por isso mesmo de fora da CoP-25, da União Europeia. O bloco terá pela primeira vez uma lei do clima, que alinhará todos os instrumentos - creditícios, regulatórios etc - para se possível reduzir ainda mais as emissões para atingir a meta de 2050 - emissões líquidas zero, ou seja, quase um continente neutro em carbono. O objetivo, politicamente difícil de ser alcançado, é elevar a meta de 2030, de corte de 40% das emissões, para 55%. Um fundo de €100 bilhões será criado para auxiliar os países ainda dependentes do carvão, em geral ex-comunistas, como Polônia, Hungria e República Tcheca, na conversão para fontes renováveis.

Enquanto o Brasil, com o atual governo, deixa de fazer parte da luta contra o aquecimento global, a inação revelada na CoP-25 coloca como perspectiva um futuro sombrio. “O planeta está indo agora na direção de um aquecimento de 4o C, diz o físico Paulo Artaxo (O Globo, ontem), ou seja, na direção do cenário “catastrófico”, o pior de todos os traçados pelo IPCC. As emissões estão aumentando, e para que não ultrapassem 2o C precisariam agora estar caindo 7% ao ano. “É uma trajetória suicida para a humanidade”, adverte o cientista.