Valor Econômico, v. 20, n. 4901, 14/12/2019. Internacional, p. A15
 

CoP 25 termina sem acordo sobre fundo e mercado de carbono
 Daniela Chiaretti 

 

“Este é realmente um compromisso mínimo. Adiar todas as questões relevantes dificilmente está alinhado com a emergência climática que nós, cientistas, destacamos durante a CoP 25”. Com esta frase, o climatologista sueco Johan Rockström resumiu a frustração gerada pela conferência do clima das Nações Unidas que terminou com dois dias de atraso.

“A ciência é clara: se aquecermos nosso planeta além de aproximadamente 1,5 º C poderemos entrar em uma zona de perigo de desestabilização do clima”, disse o cientista, que dirige o Potsdam Institute for Climate Impact Research. A CoP 25 não conseguiu entregar boa parte do que prometeu, e por isso, perdem todos.

O mecanismo que regularia os mercados de carbono compreendidos no artigo 6, vital para o processo e para trazer a bordo as empresas, ficou para a próxima rodada, em Glasgow. O Brasil, os EUA e a Austrália levaram a culpa.

Mas foram os países ricos, escorados atrás dos Estados Unidos, que não deixam decolar o mecanismo e o fundo de Perdas e Danos. Trata-se de algo que se arrasta há anos nas conferências de clima e é vital para pequenas ilhas que naufragam com a alta dos níveis do mar, países vulneráveis que sofrem com inundações como Bangladesh ou secas, como vários na África. 

Essas nações mais vulneráveis, que não contribuíram em nada para o problema do aquecimento e praticamente não emitem gases-estufa, não têm mais tempo para se adaptar à mudança do clima. Estão perdendo vidas e seus territórios.

Por isso pedem um fundo para acessarem rapidamente, de “Perdas e Danos”, além de capacitação técnica. A demanda existe muito antes do Acordo de Paris. Em 2015, em Paris, foi travada pelos Estados Unidos presididos por Barack Obama.

Fazer um novo fundo, emergencial, para estes países, estabeleceria uma correlação no mundo entre quem causou o problema e quem sofre com ele.

Seria um precedente na jurisprudência que os países ricos não querem abrir, temendo a conta futura. A sugestão deles é prover fundos via seguros de vida e patrimônio muito mais baratos, para atingir populações carentes.

A CoP 25 teria que avançar nesse rumo. Progrediu algo em ações para minimizar as perdas. Mas o fundo com recursos não veio.

O Brasil saiu-se mal no geral, com imagem muito negativa. O objetivo do governo de aprovar um texto em que as operações privadas de redução de emissões de carbono não teriam abatimento na meta nacional (mecanismo que os europeus dizem que causaria uma dupla contagem de emissões), não foi adiante.

Outro ponto ruim para a imagem do Brasil foi o fato de se opor a incluir alguma menção a direitos humanos e direitos dos povos indígenas no artigo 6, tema que voltará em 2020, na Escócia. O Brasil também não quis que se usasse “emergência climática” nos textos, apenas “urgência climática”. E se opôs claramente a diálogos sobre oceanos e terra.

O impacto que a mudança do clima causa nos oceanos é grave e vem sendo mais estudado. O tema, que ficou fora do Acordo de Paris, ganhou mais visibilidade depois. Ficou muito em evidência na conferência de Madri, sob a presidência chilena.

Em Madri, a Arábia Saudita propôs um novo canal de discussão sobre terra. O Brasil imediatamente se opôs. “Isso é inaceitável para nós”, disse um diplomata brasileiro em plenária.

“O país se opõe ao diálogo pois ele significa colocar um holofote global na questão do desmatamento, podendo levar a exigências adicionais no relato de emissões ou até em alguma meta”, diz Raoni Rajão, professor de gestão ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais.

“O Brasil veio com pleitos fortes. Queria mais financiamento direto. Quer vender créditos de carbono mesmo sem reduzir o desmatamento e veio querendo que não se dessa atenção especial ao uso da terra”, explica Rajão.

Inicialmente o Brasil concordava com o diálogo em oceanos, mas recusava o de uso da terra, dizendo que as conferências anteriores já haviam tratado do tema e tomado decisões. Na madrugada de domingo, durante uma reunião de alto nível, um delegado brasileiro recebeu um telefonema com a instrução de mudar a posição do Brasil até no diálogo sobre oceanos.

Este ponto gerou muito desgaste. A ministra espanhola Teresa Ribera, da Transição Ecológica, tuitou: “Brasil se opõe a que se estabeleça um diálogo sobre clima e oceanos, e sobre clima e solos, à vista dos relatórios especiais do IPCC. Está esmagadoramente isolado”. O país perdeu e a decisão foi aceita.

Nos corredores da CoP, Colômbia e Indonésia celebravam parcerias para preservar suas florestas, nos moldes do que foi feito com o Fundo Amazônia, no Brasil, que foi desmontado pelo ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles este ano.

Noruega, Alemanha e Reino Unido darão US$ 366 milhões à Colômbia para recompensar seu avanço em reduzir desmatamento. A Noruega dará US$ 1 bilhão à Indonésia, pelo mesmo princípio.

“Essa é uma CoP que chamava para ação e ambição. Esperavam-se respostas claras”, registrou Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de mais de 40 ONGs que trabalham com agenda climática no Brasil. “Os resultados são frustrantes: não temos clareza como o processo vai contribuir para o aumento das ambições ao longo do tempo, com incertezas sobre financiamento climático ou sobre os mercados de carbono, que era um tema central”. “Felizmente se preveniu que neste conjunto de mecanismos fossem aprovadas regras frouxas.”

Um dos únicos pontos positivos da CoP de Madri foi a aprovação do Plano de Ação e Gênero. É algo novo, que tem cinco anos de implementação e um cronograma de ações amplo de desenvolvimento de lideranças femininas em países em desenvolvimento.

“Cria um caminho para promover igualdade de gênero, mas também participação dos povos indígenas e reconhecimento do conhecimento tradicional na implementação da agenda de mudança do clima”, diz Caroline Prolo, advogada brasileira que atuou na negociação como consultora do grupo dos países menos desenvolvidos.

“Não diria que a CoP 25 fracassou totalmente, mas o texto é fraco na parte de ambição e mostra falta de vontade política dos maiores emissores”, diz Fernanda de Carvalho, do WWF Internacional. “O grande teste será em 2020, com as metas que têm de ser fortalecidas.”