Valor Econômico, v.20, n. 4870, 31/10/2019. Política p.A12

 

Porteiro ‘mentiu’ no caso Marielle, diz MP-RJ


Promotora desassocia presidente Jair Bolsonaro de ação de acusados de matar vereadora em 2018


Por Gabriel Vasconcelos e Cristian Klein

O Ministério Público do Estado do Rio (MP-RJ) desmentiu ontem versão do porteiro que associou, em depoimento, o presidente Jair Bolsonaro ao caso do assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol) e de seu motorista, Anderson Gomes. A promotora Simone Sibilio, do MP-RJ, disse que o porteiro do condomínio onde morava o ex-policial militar Ronnie Lessa, acusado de ter assassinado Marielle, “mentiu” ao dizer à Polícia Civil que interfonou para a casa de Bolsonaro - à época deputado federal - para liberar a entrada de Élcio Queiroz, apontado como motorista do carro usado no crime, no dia da execução da vereadora, em 14 de março de 2018.

A tese de que o porteiro mentiu se apoia em gravações que foram voluntariamente entregues ao MP pelo administrador do condomínio Vivendas da Barra, onde Lessa morava e local em que a família Bolsonaro tem duas casas. Os áudios contradizem os depoimentos do porteiro, que teria dito à polícia que a permissão para entrada de Élcio no condomínio fora dada por “seu Jair”, da casa 58, como mostrou na terça-feira reportagem do “Jornal Nacional” da TV Globo.

A promotora afirmou, em coletiva à imprensa, que as gravações são “inequívocas” quanto a quem atendeu a ligação do interfone do porteiro do condomínio: “As gravações da cabine de controle de acesso do condomínio existem e nessa gravação fica comprovado que nesse dia [14 de março de 2018] a portaria interfona para a casa 65, onde mora Ronnie Lessa. A pessoa que atende na casa 65 é Ronnie Lessa”, disse Simone. A conclusão de que a voz era mesmo de Lessa veio depois de perícia. Foi realizado um “confronto vocálico” entre a voz de Lessa nos interrogatórios da ação penal do caso Marielle e a voz da gravação registrada na portaria, disse a promotora.

Depois de afirmar que o porteiro mentiu no depoimento à polícia, a promotora buscou atenuar a própria declaração aos jornalistas. Afirmou que o porteiro poderia, na verdade, ter “anotado errado, se equivocado”. “O porquê do porteiro ter dado esse depoimento será investigado. Se ele mentiu, se equivocou ou esqueceu”, disse Simone.

A promotora se negou a dar maiores detalhes sobre o depoimento do porteiro uma vez que essas informações integram um inquérito ainda em andamento - e que está sob segredo de Justiça - para apurar o suposto mando do crime. Por conta desse sigilo, os detalhes sobre o depoimento do porteiro não vão se tornar públicos neste momento. A promotora disse, porém, que a partir de ontem estava afastado o sigilo da ação penal que tem como réus Lessa e Queiroz.

Foi justamente esse fim do sigilo, solicitado pelo MP-RJ à Justiça do Rio, que permitiu revelar o conteúdo das gravações da portaria do condomínio Vivendas da Barra. O argumento para a retirada do sigilo foi esclarecer dúvidas surgidas depois da reportagem do “Jornal Nacional”, na terça-feira. A promotora se limitou a dizer que o depoimento do porteiro à Polícia Civil é do dia 4 de outubro e que o MP-RJ levou o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 10 de outubro, conforme determina a lei quando há citação a autoridade com prerrogativa de foro, como é o caso de Jair Bolsonaro. Simone informou que o caso ainda não tem relator no Supremo.

O telejornal teve acesso a uma planilha do condomínio em que são registrados os nomes dos visitantes. No dia do assassinato de Marielle, o porteiro teria registrado, no livro, o nome de Élcio, o modelo do carro, a placa do veículo e a casa que, supostamente, ele iria visitar (a de número 58, de Jair Bolsonaro). No entanto, o porteiro disse, em depoimento, ter notado, via circuito interno de câmeras, que Élcio dirigiu-se à casa de Lessa (nº 65). A reportagem mostrou ainda que naquele dia Bolsonaro estava na Câmara, em Brasília.

Simone afirmou que a planilha foi “preenchida de forma equivocada” porque as anotações feitas pelo porteiro no livro de visitantes não batem com os áudios registrados na mesma portaria. A planilha apareceu pela primeira vez nas investigações quando peritos do MP quebraram a senha do celular apreendido de Lessa. No decorrer das investigações, a mulher do ex-policial, Elaine Lessa, enviara um print da planilha da portaria ao marido para informá-lo de que, a princípio, não haveria provas da conexão entre ele e Élcio Queiroz. Lessa e Queiroz sempre negaram ter se encontrado no dia do crime de Marielle.

Também ontem a Polícia Civil do Rio, que investiga o caso Marielle, rebateu acusações de suposto vazamento de informações na investigação da morte da vereadora. A acusação partiu do presidente Bolsonaro. “Todas as investigações são conduzidas com absoluta imparcialidade, técnica e observância à legislação em vigor”, disse a instituição. A Polícia afirmou ainda que a investigação é conduzida com sigilo, isenção e rigor técnico pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) em parceria com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP-RJ.

 

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Bolsonaro volta a atacar Wilson Witzel


Presidente afirmou que a AGU pode entrar em sua defesa e classificou a atuação do governador do Rio de “criminosa”


Por Maiá Menezes 

 

 

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem, ao sair de seu hotel em Riad para o evento chamado de “Davos no Deserto”, que há um mês ouviu do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), no Clube Naval, que iria para o Supremo Tribunal Federal uma investigação em que um porteiro envolvia o presidente no assassinato de Marielle Franco, em março do ano passado. Em tom indignado, o presidente disse que dormiu apenas uma hora, quando fez live e convidou três emissoras de TV a falar sobre o caso. Para os veículos do grupo Globo, falou durante coletiva e disse que as informações podem prejudicar os investimentos que colheu para o país.

“No 9 desse mês, outubro, às 21h eu estava no Clube Naval do Rio de Janeiro quando chegou o governador Witzel. Ele me viu lá, foi uma surpresa eu estar lá. E para mim também, que eu fui ao aniversário de uma autoridade”, contou o presidente a jornalistas no hotel onde está hospedado, em Riad. “Ele chegou perto de mim e falou o seguinte: o processo está no Supremo. Eu falei ‘que processo?’ ‘O processo está no Supremo?’ ‘Que processo?’ ‘Ah, o processo da Marielle’ ‘O que eu tenho a ver com o caso da Marielle?’ ‘Não, o porteiro citou o teu nome’. Ou seja, Witzel sabia do processo que estava em segredo de Justiça”, disse Bolsonaro.

Pela prerrogativa de ser presidente, a investigação poderá ser levada ao Supremo Tribunal Federal (STF). Visivelmente irritado e consultando um rascunho, o presidente afirmou que o processo estava em segredo de Justiça. E que vai pedir que a Polícia Federal volte a ouvir o porteiro. “Estou conversando com o ministro da Justiça [Sergio Moro] para a gente tomar, via Polícia Federal, um novo depoimento desse porteiro pela PF para esclarecer de vez esse fato, de modo que esse fantasma que querem colocar no meu colo como possível mentor da morte de Marielle seja enterrado de vez.”

Bolsonaro afirmou ainda que o governador do Rio “estava conduzindo o processo com o delegado da Polícia Civil para tentar me incriminar ou pelo menos manchar o meu nome com essa falsa acusação de que eu poderia estar envolvido na morte da Marielle”, a quem o presidente chama de Mariella ao menos três vezes. O presidente disse ainda que não sabe quem é o porteiro.

“O processo corre em segredo. Nós sabemos que são pessoas humildes, que quando são tomados depoimentos sempre estão preocupados com alguma coisa. No meu entender o porteiro está sendo usado pelo delegado da Polícia Civil, que segue ordem do senhor Witzel, governador. Por que ele tem essa tara em cima de mim? Exatamente para destruir minha reputação. O Witzel era uma pessoa desconhecida, colou no Flávio Bolsonaro e em mim para poder se eleger governador. Tomou posse e elegeu Flávio e eu como inimigos dele”.

 

O bunker do presidente Jair Bolsonaro, no hotel Intercontinental, funcionou a pleno vapor de madrugada. “Clima de tensão no deserto”, definiu um dos assessores do presidente. Bolsonaro, que dormiu por apenas uma hora, veiculou uma live às 3h50. E chamou três emissoras para exclusivas sobre seu envolvimento nas investigações do caso Marielle. No discurso que fez no seminário econômico, ele usou tom emocional para dizer que está lutando como um militar para salvar o país. Sua tropa de choque passou a noite em claro. Entre eles, o porta-voz Otávio Rêgo Barros falou pela primeira vez em toda a viagem que começou na Ásia, criticando a reportagem do “Jornal Nacional”.

Depois de seminário de parcerias econômicas em Riad, o presidente disse que pediu ao Ministério da Justiça que solicite à Procuradoria-Geral da República (PGR) que investigue os investigadores do caso Marielle. Um pedido de inquérito para apurar “todo o ocorrido e de todas as suas circunstâncias” foi feito pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.

Bolsonaro afirmou que a Advocacia-Geral da União (AGU) pode entrar em sua defesa e classificou a atuação de Witzel, de “criminosa”, por ter “vazado” dados de processos sigilosos.

Perguntado se conhecia Élcio Queiroz, suspeito de ter participado do assassinato de Marielle, visto que aparece em fotos em redes sociais ao lado dele, o presidente afirmou que tira fotos com policiais “há décadas” e que na campanha eleitoral foram mais de 500 por dia. Garantiu, no entanto, que Élcio nunca esteve em seu condomínio, na Barra da Tijuca, no Rio.

 

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Carlos divulga registro do áudio da portaria


Investigadores ainda não tiveram acesso ao material


Por Malu Delgado, Fernando Taquari e André Guilherme Vieira

 

Filho do presidente Jair Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) divulgou em redes sociais, ontem, imagens e áudios que, segundo ele, foram retirados do sistema que grava conversas por interfone da portaria do Condomínio Vivendas da Barra, onde pai e filho têm casas. O áudio divulgado comprova que seu pai não liberou a entrada de Elcio Queiroz em 14 de março de 2018 - ao contrário do que disse um porteiro ouvido por investigadores do assassinato da vereadora Marielle Franco, morta na mesma data, horas depois. Elcio foi acusado de dirigir o carro usado no crime.

Também tem casa no condomínio o ex-policial Ronnie Lessa, acusado de matar a vereadora.

Os áudios divulgados por Carlos podem ter diálogos de outros moradores com porteiros - o que representaria violação à intimidade.

“Estou aqui na administração do condomínio [número] 3.100, na Barra da Tijuca, o condomínio do meu pai, o presidente Jair Bolsonaro, tendo acesso aqui ao programa de gravação de voz que identifica para onde a portaria ligou, para que casa ligou e que horário ligou. Estou tendo acesso a esse tipo de documento porque eu sou morador aqui do condomínio, então não tem problema nenhum”, disse o vereador.

Os áudios da portaria do condomínio já tinham sido solicitados por investigadores do caso Marielle, informou anteontem o “Jornal Nacional”, da TV Globo. Carlos disse que sua atitude é legítima, porque ele também mora no condomínio.

Os dados exibidos pelo vereador, que constariam dos arquivos de áudio da portaria, não coincidem com dois depoimentos do porteiro do condomínio aos quais o “Jornal Nacional” teve acesso.

Carlos Bolsonaro reproduz áudio que disse ser de 14 de março de 2018, às 17h13, em que é feita ligação da portaria para a casa 65, “que seria do Ronnie Lessa, e não a casa do Bolsonaro”, disse o vereador. A casa de Ronnie é a de número 66. A de Carlos Bolsonaro, a 36. E a casa em que residia Jair Bolsonaro, quando deputado, era a 58. No áudio veiculado pelo vereador, o porteiro se dirige a um homem.

“Portaria, boa tarde. É o senhor Elcio. Pode liberar”.

Carlos Bolsonaro então acrescentou: “Vocês percebem que neste horário que a gente colocou aqui para sair o áudio, foi ligado para a casa desse senhor aí, que eu não sei nem quem é, para esse outro senhor (...) a voz que ligou para a casa 65 não condiz com a voz do deputado Jair Bolsonaro. Em nenhum momento ligaram para a casa 58 para deixar o senhor [Elcio Queiroz, acusado de dirigir o carro usado no assassinato de Marielle] fulano adentrar ao condomínio”.

O “Jornal Nacional” não afirmou que Bolsonaro atendeu ao interfone. A reportagem relatou o que o porteiro contou em depoimento. E destacou, inclusive, que Bolsonaro estava em Brasília em 14 de março.

Em um segundo vídeo postado ontem, no Twitter, Carlos Bolsonaro divulgou o áudio de uma gravação entre a portaria e a casa 58, do presidente Jair Bolsonaro, feito às 15h58 de 14 de março de 2018.

Uma voz feminina atende na casa 58: “Oi”, ela diz. “É do mercado [inaudível]”, responde o porteiro. A mulher, então, diz que vai descer.

Em comunicado, a TV Globo disse que “teve acesso ao livro da portaria e, como deixa claro a reportagem, informou-se com múltiplas fontes sobre o conteúdo do depoimento do porteiro. Não mentiu. Dada a relevância dos fatos, a Globo cumpriu a sua obrigação de informar o público, revelando o que disse o porteiro e todas as suas contradições, que ela própria apurou.”

A nota diz que “a Globo não tem nenhum objetivo de destruir quem quer que seja, mas é independente para informar com serenidade todos os fatos, mesmo aqueles que possam irritar as autoridades. E assim pode agir, justamente porque não depende nem nunca dependeu de verbas de governos, embora a propaganda oficial seja legítima e legal.”