O Globo, n. 32676, 23/01/2023. Opinião, p. 2

Amazônia traz desafio imenso a projeto de Marina



Já se sabia, com base em todos os dados levantados pelos satélites que esquadrinham a região, que o rastro de destruição deixado pelo governo Jair Bolsonaro na Amazônia seria imenso. O desmatamento em dezembro foi o dobro do registrado no final de 2021. É como se os madeireiros e garimpeiros que atuam na clandestinidade tivessem pressa depois da vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pelos dados do Imazon, os quatro anos de Bolsonaro produziram uma devastação de 35.193 quilômetros quadrados, maior que a área de Alagoas, ou 150% mais que nos quatro anos anteriores.

Marina Silva reassumiu o Ministério do Meio Ambiente para enfrentar uma situação muito pior do que quando chegou ao cargo pela primeira vez, em 2003. Esteve com Lula na COP27, no Egito, em novembro. Já ministra, foi com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. Em suas aparições internacionais, tem apresentado uma guinada radical na política ambiental brasileira. Em Davos, reafirmou o compromisso do Brasil de atingir o “desmatamento zero” até 2030. Sobre a intenção, não há dúvida, mas a realidade lhe imporá dificuldades imensas.

Marina tem dito que o Brasil precisa de auxílio externo para conservar a Amazônia, explorá-la de forma sustentável e recuperar as áreas desmatadas. “Nós podemos acabar com o desmatamento na Amazônia, mas, se o resto do mundo continuar a emitir carbono, a Amazônia será destruída da mesma forma”, disse em Davos. Para obter ajuda, ela tenta resgatar a imagem brasileira, devastada durante o governo anterior. Só não pode esquecer que a batalha mais difícil está aqui no Brasil.

Seu primeiro desafio é político. Ela propõe criar a Autoridade Climática, um órgão técnico vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, cujo objetivo é ajudar a implementar o que ela costuma chamar de “políticas transversais” para proteção ambiental. Na prática, isso significa envolver todas as áreas do governo. Todo o Executivo federal precisará enquadrar-se no compromisso de enfrentar o aquecimento global pelo corte das emissões de gases do efeito estufa. É algo que vai além da preservação da Amazônia e depende de uma costura delicada.

Ainda no rearranjo institucional, Marina pretende constituir o Conselho Nacional sobre Mudança do Clima, com o presidente da República à frente e participação de todos os ministérios. Caberá a ela, também, reconstruir Ibama e ICMBio, órgãos fiscalizadores desmontados por Bolsonaro para abrir as portas da Amazônia a madeireiros e garimpeiros ilegais.

A região que é necessário recolocar sob a jurisdição do Estado tornou-se uma via de escoamento de drogas pelos seus rios e um espaço em que transitam organizações criminosas atraídas pelo ouro dos garimpos sem lei. A repressão aos grupos ilegais que floresceram no governo Bolsonaro tem de ser o objetivo imediato. Mas também é o mais difícil para Marina, pois não depende apenas do Ministério do Meio Ambiente. É preciso contar com a colaboração da Justiça, das forças de segurança e das autoridades locais. Será imprescindível o apoio das Forças Armadas e da Polícia Federal para restabelecer a fiscalização ambiental na Amazônia. Nunca a questão do meio ambiente se pareceu tanto com uma guerra. Vencê-la exigirá de Marina o talento político para atrair setores ainda infiltrados pelo bolsonarismo.