Valor Econômico, v. 20, n. 4914, 08/01/2020. Opinião, p. A8

Agenda de concessões e PPP, o que falta para avançar

Sandro Cabral


Apesar da participação privada em serviços públicos ser vista com desconfiança por boa parte da população por conta das evidências de arranjos espúrios entre políticos e empresários, aumentos de tarifas e captura de órgãos reguladores por quem deveria ser regulado, a observação mais cautelosa do que está em nosso entorno pode oferecer uma visão mais nuançada. De fato, olhando o exemplo brasileiro, diante dos cantados e decantados limites orçamentários e da necessidade de melhorar a agilidade e a qualidade dos serviços prestados à população, governos das três esferas e de diferentes matizes ideológicos têm elegido programas de concessões e Parcerias Público-Privadas (PPP) como elementos chave para o desenvolvimento: dos ultraliberais em Minas Gerais aos comunistas no Maranhão.

Estados como Bahia, Espírito Santo, Piauí e São Paulo têm sido bem-sucedidos em suas incursões junto ao setor privado para financiar a expansão de sua infraestrutura e atender seus cidadãos, evidenciando que tais parcerias estão além das cores do governo de plantão e que podem gerar valor público caso bem estruturadas. Isto é, programas de concessões e PPP podem gerar maiores benefícios com menores custos a vastas parcelas da população, caso sejam modelados para atrair atores externos idôneos e com capacidade técnica e financeira de forma a evitar provedores incompetentes e corruptos. Naturalmente, o sucesso de tais parcerias requer, por parte de governos, a formatação de estruturas críveis de recompensas e punições para que os agentes privados se empenhem e façam esforços alinhados ao interesse público. Mas, afinal, como anda a agenda de concessões e PPP no Brasil?

Se por um lado temos um histórico de experiências malsucedidas que devemos estudar para identificar as causas de falha e evitar que se repitam, por outro temos diversos casos de sucesso que podem ser compreendidos e replicados. Tomemos como exemplo o programa de concessões de aeroportos. Após o insucesso das concessões gestadas no passado marcadas por projeções de demanda demasiadamente otimistas, pela exigência de participação da Infraero que exigia aportes do poder público e por outras promessas feitas pelo governo que não se concretizaram, o programa de concessões foi revisto. Sem a necessidade de ter como sócias a Infraero e as construtoras locais afetadas pelos ventos da Operação Lava-Jato, o país atraiu diversos atores internacionais com larga experiência e com competência em gestão aeroportuária, antes hesitantes em apostar no mercado brasileiro e realizar os investimentos necessários.

Nessa seara foram arrematados com ágio o direito de exploração de aeroportos como o de Fortaleza, Florianópolis, Porto Alegre, Recife e Salvador. Ainda que análises de impacto mais rigorosas ainda não sejam possíveis de serem realizadas, algumas observações a olho nu nos novos equipamentos concedidos já permitem identificar ações voltadas a melhorar o conforto dos passageiros, sem descuidar da lucratividade das operações, algo crucial para a sustentabilidade dos equipamentos concedidos.

Quem teve a oportunidade de circular recentemente pelo remodelado Aeroporto Internacional de Salvador, arrematado por um operador francês, saberá do que falamos. Além de realizar diversos investimentos para atualizar a estrutura existente e expandir os terminais de embarque e desembarque de passageiros, o concessionário promoveu uma revolução na decoração no aeroporto de forma a refletir a cultura local, conseguindo afastar a imagem de não-lugar tão comum em aeroportos. A flexibilidade do operador privado para tomar decisões, sem as amarras de parceiros indesejáveis e sem eventuais pressões para contratação de fornecedores tradicionais, possibilita a exploração do potencial de competências acumuladas por atores empresariais em benefício dos usuários locais. Pequenos triunfos como esse são essenciais para estimular o clima de otimismo em relação a novos arranjos envolvendo empresas e governos e aguçar o apetite privado de forma mais ampla.

Para que sejamos capazes de atrair mais investimentos privados, precisamos nos atentar para alguns fatores. Sabemos que a presença de competências técnicas instaladas nos governos para selecionar e estruturar bons projetos embora seja condição necessária não é condição suficiente para estimular a atrair atores privados capazes na intensidade que o país necessita. Aqui são imprescindíveis lideranças políticas capazes de promover diálogos transparentes junto as diversas partes interessadas, que não raro agem como pontos de veto a arranjos que modificam o status quo. Gestores públicos legitimados pelo voto, que exponham os prós e contras associados às escolhas que estão na mesa, que mostrem à população quais são as alternativas disponíveis e que não infantilizem o debate com palavras de ordem inócuas são cruciais para gerar confiança para a população e para quem pretende realizar investimentos de longo prazo com retorno não garantido. Incertezas afastam bons parceiros privados que aceitam as regras da competição e somente atraem aqueles que se beneficiam da ambiguidade e dos acertos nos bastidores, algo que o país parece não tolerar mais.

Para tal, lideranças políticas precisam ser capazes de alinhar os diversos membros de sua equipe, evitando o fogo amigo entre pastas com agendas conflitantes, ter boa articulação com o Legislativo e, sobretudo, capacidade de articulação com órgãos de controle tais como Tribunais de Conta, Judiciário e Ministério Público. Dado que os modelos mentais dos operadores do direito, via de regra, são guiados pela interpretação que fazem da legislação, nem sempre alinhada com a geração da me relação custo-benefício para a população, é preciso encontrar canais de diálogo de forma serena com esses atores desde o início das modelagens de projetos de concessões e PPP. Embora caiba aos técnicos realizar os debates mais pormenorizados, o respaldo das lideranças dos órgãos públicos para que a interlocução ocorra de forma a preservar os interesses da população é essencial para a estruturação de projetos competitivos e que inspirem a confiança de investidores e, sobretudo, da população.

Em suma, o avanço numa agenda de concessões e PPP alinhada ao interesse público requer governos fortes sob o ponto de vista técnico e político, que observem as boas evidências no processo decisório.

Sandro Cabral é coordenador do mestrado em Políticas Públicas do Insper