Valor Econômico, v.20, n. 4924, 22/01/2020. Brasil p.A7

 

Reeleição eterniza presidentes de legislativos locais


Aliados de Alcolumbre e Maia articulam nos bastidores mudança na Constituição Federal

Andrea Jubé

Marcelo Ribeiro

Caso avancem as articulações em curso nos bastidores do Congresso para reeleger os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o Legislativo federal poderá replicar a realidade de várias Assembleias Legislativas, onde a norma regional autoriza a reeleição sucessiva de seus dirigentes. Há casos em que o presidente do legislativo local passa mais de uma década na função.

O presidente de Legislativo estadual mais longevo é o deputado Themístocles Filho, do MDB do Piauí, que completou 18 anos no cargo, conforme permite a Constituição estadual. No Espírito Santo, os deputados recuaram da tentativa de aprovar a reeleição sucessiva na Constituição.

Na véspera do recesso, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou que não trabalharia pela edição de uma proposta de emenda constitucional (PEC) para permitir a reeleição dos membros da Mesa Diretora no meio da legislatura, mas ponderou que não impediria que aliados encabeçassem as negociações para mudar a Constituição.

“Se alguém quiser trabalhar [pela mudança], a gente não pode atrapalhar as pessoas”, disse Alcolumbre em dezembro. O presidente do Senado, no entanto, enfrenta forte resistência do MDB, que quer retomar o comando da Casa, e do grupo “Muda, Senado”, que deixou de apoiá-lo.

Na Câmara, um líder influente do Centrão alertou que não é desejo da maioria dos parlamentares que a Câmara se transforme numa “Assembleia Legislativa”, em alusão aos dirigentes que se eternizam no cargo. Há pelo menos quatro nomes competitivos em campo disputando a sucessão do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Maia também poderia se beneficiar da mudança constitucional, mas avalia que essa proposta não deve avançar. “Não há chance para isso”, afirmou ao Valor.

Levantamento feito pelo Valor nas Assembleias Legislativas demonstra situações em que deputados estaduais ficaram à frente das respectivas Casas por mais de dois mandatos consecutivos. Eleito deputado estadual em 1986, Themístocles Filho ocupa a presidência da Assembleia desde 2003. Com o respaldo da Constituição estadual, vem sendo reconduzido ao posto a cada biênio. Questionado se em 2021 tentará nova reeleição, ele se esquivou: “Como é que vou saber? é uma decisão dos colegas.” Ele citou realizações de sua gestão, como a construção de anexos, a criação da primeira TV Assembleia do país, e até um teatro.

Themistocles citou o exemplo de outro parlamentar longevo à frente de uma Assembleia. Era o deputado Guilherme Uchôa (1947-2018), que presidiu a Casa Legislativa de Pernambuco sucessivamente durante 12 anos e faleceu no exercício do posto.

No Espírito Santo, o presidente da Assembleia Legislativa, Erick Musso (Republicanos), emplacou uma emenda constitucional para viabilizar o que seria seu terceiro mandato consecutivo, a partir de 2021. Diante da repercussão negativa e de contestações na Justiça, ele recuou e cancelou a reeleição antecipada.

Em nota, ele afirmou que “o assunto está superado” e que resolveu renunciar “da eleição antecipada da Mesa porque a emenda constitucional foi contestada judicialmente”. O MDB também esteve à frente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) por 16 anos. O ex-governador Sergio Cabral, que está preso, esteve à frente da Alerj entre fevereiro de 1995 e janeiro de 2003, enquanto Jorge Picciani, que cumpre prisão domiciliar, comandou a Assembleia entre fevereiro de 2003 e janeiro de 2011. Ele chegou a retornar ao posto em fevereiro de 2015, sendo reconduzido em 2017, mas saiu em novembro daquele ano quando foi preso.

Hoje, a assembleia fluminense é presidida por André Ceciliano, do PT, mas o MDB tem três cadeiras na Mesa Diretora: a Terceira Secretaria e dois vogais.

Na Bahia, o deputado Marcelo Nilo - que passou pelo PSDB, PDT, PSL e hoje está no PSB - comandou a Assembleia Legislativa por dez anos.

O ciclo de poder foi interrompido em 2017, quando o então deputado estadual Ângelo Coronel (PSD) elegeu-se com a promessa de aprovar uma emenda à Constituição Estadual para restringir a reeleição à transição de uma legislatura para outra.

Hoje senador, presidente da CPMI das Fake News, Ângelo Coronel (PSD-BA) foi procurado para se manifestar sobre eventual PEC para permitir a reeleição dos presidentes das Câmara e do Senado, mas não quis se manifestar.

No Mato Grosso, o ex-deputado José Riva permaneceu 19 anos na Mesa Diretora da Assembleia Legislativa. De 1995 a 2014, ele se revezou entre a primeira secretaria e a presidência do colegiado. Afastado da vida pública desde 2015 após se tornar réu em dezenas de ações penais no âmbito da Operação Arca de Noé, da Polícia Federal. Hoje ele está representado na cúpula da Assembleia pela filha, a deputada Janaína Riva (MDB), que ocupa a primeira vice-presidência da Casa.

Em 2017, José Riva foi condenado em duas ações distintas, em sentenças proferidas pela então juíza federal Selma Arruda, que se tornou conhecida como “Moro de saias”. Mas eleita senadora, acabou cassada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Riva foi condenado a mais de 40 anos de prisão em regime fechado por corrupção, peculato e lavagem de dinheiro. A primeira sentença menciona o desvio de R$ 5,4 milhões de recursos do Legislativo estadual.