Valor Econômico, v. 20, n. 4810, 08/08/2019. Política, p. A15

Bolsonaro e igrejas articulam fim de "indústria da multa"

Renan Truffi 
 Fabio Murakawa



 

O governo Jair Bolsonaro e a bancada evangélica discutem aproveitar a reforma tributária para acabar com o que chamam de "indústria da multa" contra as igrejas e instituições religiosas. A ideia é usar a pauta, que deve se tornar a prioridade após a sanção da reforma da Previdência, para deixar a legislação tributária "mais clara" e, assim, evitar que templos de todas as denominações sejam autuados pela Receita Federal por suas atividades financeiras no país.

O assunto foi discutido ontem em almoço promovido pela Frente Parlamentar Evangélica, que contou com as presenças do presidente Bolsonaro e dos ministros da Economia, Paulo Guedes, da Secretaria- Geral, Jorge Oliveira, e do advogado-geral da União, André Mendonça. Além deles, também participaram do almoço os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do Supremo Tribunal Federal, José Dias Toffoli - este último omitiu o encontro da sua agenda oficial.

Os parlamentares evangélicos pediram que o Palácio do Planalto e a equipe econômica se "preocupassem" com a demanda fiscal das igrejas. "Nossa manifestação sobre isso foi que o presidente e a equipe econômica se preocupassem em restabelecer o conceito constitucional de imunidade tributária, inclusive corrigindo brechas da interpretação em algumas áreas, só isso", disse ao Valor o líder da frente, deputado Silas Câmara (PRB-AM), que organizou a reunião.

A avaliação da bancada evangélica sobre o assunto é que a Receita Federal se aproveitou de uma suposta "falta de clareza" da legislação atual para cometer "abuso de autoridade" contra as instituições religiosas. "O que está acontecendo, na avaliação de contadores, é uma espécie de abuso de autoridade [da Receita Federal] contra uma unidade tributária garantida na Constituição", disse. "Vamos trabalhar agora na reforma tributária para que fique claro essas brechas que dão cabimento a esse tipo de autuação, a ponto de termos que recorrer à Justiça ou ao conselho de contribuintes", explicou Silas Câmara.

Desde o mês passado, Bolsonaro vem sinalizando a líderes evangélicos e pastores que irá atender aos pedidos para flexibilizar certas demonstrações contábeis, o que estava a cargo do secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra. Agora, entretanto, a proposta da bancada é mudar o texto constitucional a partir da reforma tributária. Ainda assim, Bolsonaro vem colocando a equipe econômica à disposição dos evangélicos. Ontem, Cintra participou de uma reunião no Palácio do Planalto com o próprio presidente da República e o reverendo R. R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus.

Uma demanda antiga do setor, por exemplo, é o fim da chamada Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) para as instituições religiosas. Isso porque a Receita Federal vem intensificando ações para declarar a inaptidão dos CNPJs de igrejas que não apresentaram essa informação obrigatória.

Pouco antes de o almoço acontecer, Bolsonaro já havia indicado, em entrevista coletiva, que concordava com a necessidade de regras tributárias mais simples para o meio religioso. "Não pode cada igreja ter que possuir um contador, ninguém aguenta isso", afirmou. "Tem uma dúvida muito grande da Constituição quando se fala de isenção de impostos, então, esse assunto vem sendo discutido com vários setores da sociedade. Essa é a nossa intenção, discutir esse assunto. E se chegarmos à conclusão que tem amparo legal para acabar com alguma taxa, então acaba", complementou, de maneira genérica.

Recentemente, o governo Bolsonaro fez um aceno às igrejas ao editar duas normas que já flexibilizam obrigações como essas. A principal delas aumentou de R$ 1,2 milhão para R$ 4,8 milhões o piso para que instituições religiosas sejam dispensadas de apresentar escrituração contábil digital (ecd), que concentrados dados sobre o balanço, por exemplo.