Valor Econômico, v. 20, n. 4886, 23/11/2019. Brasil, p. A4

Governo tenta acordo com Caixa por dívida de R$ 1,75 bi
Edna Simão


A União acumula dívidas com a Caixa Econômica Federal que somam R$ 1,754 bilhão, segundo dados do balanço do banco referente ao mês de setembro. Uma delas, que trata de descontos concedidos pelo extinto BNH (Banco Nacional da Habitação) ao mutuário da casa própria, se arrasta desde os anos 1980. O governo e o banco estão negociando uma forma de efetuar o pagamento, mas não há data para fechar acordo. As restrições orçamentárias e fiscais podem prolongar ainda mais a negociação.

A maior parte dos débitos existe porque legislações antigas deixaram que o banco assumisse compromissos da União, o que hoje não seria permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) pois se configuraria “pedalada fiscal” - operação de crédito em que o Tesouro é financiado por bancos públicos.

Técnicos do governo e da Caixa asseguraram ao Valor que o objetivo de todos é resolver o problema e que têm a tranquilidade de que essas dívidas antigas não são se configuram uma “pedalada fiscal”, motivo que levou a presidente Dilma Rousseff a sofrer impeachment.

O pagamento das dívidas referente às “pedaladas” foram efetuados pelo Tesouro Nacional no fim de 2015, sob a gestão de Joaquim Levy na pasta da Fazenda.

Do total de R$ 1,754 bilhão, R$ 865,654 milhões, se referem ao Programa de Ajuste Fiscal dos Estados e Municípios na década de 90. Neste caso, o banco público fez o refinanciamento das dívidas dos entes, que estavam quebrados, com garantia da União.

Anos depois foi editada a Medida Provisória 2.192/2000 em que o governo federal assumiu o compromisso de ressarcir a diferença entre taxa de juros de captação da Caixa e a que foi recebida dos Estados e municípios. Mas, a MP não estabeleceu prazo para o ressarcimento desse “custo de oportunidade”. Situação similar ocorre com a dívida de R$ 6,3 milhões devido à socorro dado ao chamado Produban, banco do Estado de Alagoas, que foi liquidado. Os débitos também estão relacionados a pagamento de diferença de juros.

A Caixa tem a receber da União mais R$ 554,888 milhões de cotas e dividendos que possui no Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND), extinto em 2017 mas a sua liquidação ainda não foi finalizada. A avaliação da instituição financeira é que esta questão pode se resolver rapidamente porque o fundo tem ativos. Para a área econômica, a tarefa não é tão fácil pois, apesar de não causar prejuízos para União pois o fundo tem ativos, é necessário ter espaço no orçamento, o que hoje não seria uma prioridade para o Congresso Nacional decidir dado o momento de forte restrição fiscal.

O débito mais antigo da União é de R$ 274,615 milhões, resultado do decreto-lei nº 2.164/84 que criou um incentivo financeiro ou um desconto para os mutuários do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) que pagassem a prestação em dia. Segundo uma fonte da Caixa, com a alta inflação no final da década de 80, o governo criou esse desconto para incentivar a adimplência do mutuário. Neste caso, a Caixa já levantou toda a documentação para cobrar os recursos do governo. Mas o pagamento depende de validação do valor da dívida pelo Tesouro Nacional e pelos órgãos de controle.

Mesmo descartando a possibilidade de classificar esses débitos como “pedaladas”, o governo gostaria de desarmar essas “pequenas bombas” ou “esqueletos”, segundo fontes oficiais, para mostrar transparência e limpar o balanço do banco. Apesar do valor ser baixo, é uma dívida que está lá e que, embora o risco seja o Tesouro, precisa ser paga. A Caixa gostaria de receber uma parte dos débitos em 2020. Mas não há nada certo.