Valor Econômico, v. 20, n. 4882, 19/11/2019. Legislação & Tributos, p. E2

MP 905: o precário primeiro emprego

Luciana Bezerra de Oliveira


Para comemorar os 300 dias da atual administração e os dois anos de vigência da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), o governo federal editou a Medida Provisória 905/2019, que cria o denominado “contrato verde e amarelo”.

Anunciada como a fórmula mágica (mais uma!) para acabar com o desemprego, que atualmente está na casa dos 12,5 milhões de pessoas, segundo dados oficiais do IBGE (esse número não leva em conta aqueles que estão em postos precários como os profissionais por aplicativo), a MP cria uma nova categoria de trabalhadores precarizados, com direitos reduzidos.

Para ser contratado nessa modalidade, a pessoa deve ter entre 18 e 29 anos e esse tem que ser o seu primeiro emprego. Diferentemente do que acontece com qualquer trabalhador, a MP dispõe que o salário está limitado a 1,5 salário mínimo nacional (não considera os pisos diferenciados, estabelecidos em instrumentos normativos); permite que cidadãos na mesma atividade ganhem valores distintos dependendo, apenas, da “cor” do contrato; traz FGTS de 2% (e não 8%, pois não leva em conta que o FGTS equivale a um salário por ano e a sua finalidade legal - substituição da estabilidade decenal). A multa rescisória foi reduzida para 20% dos depósitos (ou seja, 20% sobre os 2% = 0,4%) e poderá ser paga, mediante acordo entre trabalhador e empregador de forma antecipada, com o pagamento da remuneração mensal, algo que também poderá ocorrer com as férias mais o terço e o 13º salário.

Não apenas isso! O contrato verde e amarelo ainda admite acordo tácito de compensação da jornada.

O contrato é por tempo determinado (contrariando a regra geral que prevê a modalidade sem prazo) e pode ser utilizado tanto para atividades permanentes e transitórias quanto para substituição transitória de pessoal permanente (exemplo: para repor trabalhadora em licença-maternidade). Além disso, pode ser prorrogado várias vezes que não incidirá a hipótese do art. 451 da CLT (transformação automática em contrato sem prazo determinado), desde que isso ocorra dentro do prazo de 24 meses. Fica também afastada a hipótese de pagamento da indenização equivalente à metade dos salários devidos até o término do contrato em caso de rescisão antecipada por iniciativa do empregador, sem justo motivo.

E quando se pensava que tudo que estava ruim não poderia ficar pior, a MP ainda previu que o adicional de periculosidade desses trabalhadores será de apenas 5% do salário-base, desde que o empregado fique sujeito ao perigo, por pelo menos 50% de sua jornada, descumprindo frontalmente a CLT, que estabelece, no art. 193, o adicional de periculosidade de 30%.

O rombo da Previdência Social, tão alardeado pelo Planalto, não será sanado com esses novos contratos, uma vez que a MP estabelece a isenção da contribuição previdenciária do empregador. Ao mesmo tempo, institui que os desempregados pagarão 7,5% do valor recebido a título de seguro-desemprego para a Previdência.

A guerra das inconstitucionalidades está reaberta! A diferenciação de salários para pessoas na mesma atividade, a diminuição dos depósitos do FGTS e o pagamento de adicional de periculosidade em percentual inferior são três exemplos graves de tratamento discriminatório para a mesma situação, o que fere, claramente, o princípio da igualdade. A medida provisória cria sérias desigualdades entre trabalhadores atuando nas mesmas condições, retirando dos mais jovens direitos legalmente assegurados.

Criar uma categoria de cidadãos menos protegidos, com salários menores e direitos mitigados não contribuirá para o desenvolvimento do país.

Mais uma vez, o governo ignora que a produção é aquecida pelo consumo, e que o empobrecimento da população bloqueia o consumo, que bloqueia a produção, que bloqueia a economia.

Diluir o 13º salário ao longo do ano, por exemplo, retira o poder de compra e leva ao desestímulo do consumo, pois aquele total, agora pago mensalmente, transforma-se em um valor ínfimo, ao passo que sua acumulação ao longo de 12 meses lhe traz o poder de gerar uma substancial renda extra destinada a um gasto específico, no fim de cada ano, o que incentiva o comércio e toda a cadeia produtiva. O mesmo raciocínio se aplica às férias com o terço. A maneira mais eficaz de propiciar a compra e venda de produtos e serviços seria melhorar as condições dos trabalhadores, e não piorá-las.

A reforma trabalhista de 2017, até o momento, foi um grande fracasso e não produziu os resultados esperados no que diz respeito à diminuição do desemprego. O único efeito imediato produzido foi a criação de obstáculos ao amplo acesso à Justiça, sintoma que já está sendo mitigado, pois no ano de 2019 ocorreu novo aumento das demandas, em relação ao período de 2018 (fonte: Justiça em Números).

O verde e amarelo, cores oficiais da bandeira nacional, sempre relacionadas ao progresso, não deveriam ser associados à redução dos direitos trabalhistas ou à criação de uma nova categoria de trabalhadores precarizados, que são apenas jovens em busca de seu primeiro emprego.

Luciana Bezerra de Oliveira é juíza titular da 57ª Vara do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, especialista em direito e processo do trabalho pela Universidade Mackenzie.

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