Valor Econômico, v. 20, n. 4877, 09/11/2019. Opinião, p. A14

Animadora disposição política pela reforma fiscal



O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), estimou que o conjunto de reformas fiscais em curso no Brasil deve gerar nos próximos dez anos uma economia entre R$ 1,6 trilhão e R$ 1,8 trilhão. Na conta apresentada em entrevista ao Valor na última sexta-feira, está incluída a já realizada reforma da Previdência, além do recém-enviado pacote que modifica o pacto federativo, aciona gatilho de regras fiscais e permite a extinção de fundos públicos, bem como a reforma administrativa, que está em fase final de elaboração.

Contudo, mais importante que a estimativa de impacto das medidas - que, a esta altura do processo de tramitação, ainda é muito preliminar e sujeita a alterações relevantes no processo legislativo -, é a clara disposição demonstrada por Maia e por seu homólogo do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em fazer andar essa agenda reformista do país.

O deputado destacou a necessidade de se reorganizar o Estado brasileiro, hoje travado por excesso de despesas obrigatórias que a reforma da Previdência sozinha não dá conta de resolver. De fato, mesmo com a contenção que as novas regras para concessão de aposentadorias e pensões trarão para a despesa primária do governo nos próximos anos, o movimento é insuficiente.

Com o teto de gastos em vigor, a maneira que se tem para salvar o pouco de investimento público hoje existente e ampliar a capacidade do Estado para realizar obras é corrigir um defeito original das regras fiscais brasileiras: a falta de mecanismos para acionamento de gatilhos que cortem as despesas públicas.

Tanto a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do pacto federativo quanto a PEC Emergencial criam dispositivos dessa natureza, como a possibilidade de redução de jornada do servidor público e o congelamento de promoções e progressões automáticas de carreiras.

Somente esses dois gatilhos, segundo os cálculos do governo, economizariam R$ 26 bilhões em dois anos e abririam espaço de cerca de R$ 50 bilhões ao longo de uma década para ser gasto em investimento. É um volume importante, mas ainda distante do necessário para consolidar um patamar mais elevado de crescimento para o Brasil.

Nesse sentido, como informou o colunista Ribamar Oliveira, é importante a mudança que permite o acionamento das medidas previstas na emenda do teto de gastos quando as despesas obrigatórias representarem 95% do total de gasto da União. Hoje, elas estão em 93%.

Evidentemente, Senado e Câmara farão mudanças nos textos enviados pelo governo, assim como ocorreu com a reforma da Previdência. As forças políticas e corporativistas, em especial do funcionalismo público, já se articulam na defesa de seus interesses e já conseguiram, antes mesmo de o governo apresentar suas propostas, derrubar algumas ideias, como a desvinculação de benefícios sociais e o fim da estabilidade para servidores atuais.

Mudar os projetos é parte do jogo democrático. Mais que isso, o amplo debate é necessário para que as regras expressem um amplo consenso social em torno da responsabilidade fiscal. A própria equipe econômica demonstra ter consciência disso, pois articulou boa parte das medidas com as lideranças do Congresso e o ministro Paulo Guedes já disse que não tem ponto inegociável nos projetos.

Apesar das recorrentes turbulências políticas enfrentadas pelo Brasil desde janeiro, o governo e o Congresso, na seara econômica, caminham em uma direção consistente para resolver o crônico problema fiscal brasileiro.

Mas o trabalho não pode ficar só no ajuste de longo prazo. É preciso também olhar a necessidade de aceleração do crescimento. Como bem apontou o deputado Rodrigo Maia, movimentos como a reforma tributária e a aceleração das privatizações, para atrair mais recursos privados ao país, também precisam ser intensificados.

O governo precisa enviar logo sua proposta tributária para permitir que o Congresso possa se dedicar com mais afinco também a essa agenda. O trabalho a se fazer na economia brasileira ainda é grande.

E os riscos não são poucos, dada a falta de uma base governista sólida e a aproximação das eleições municipais, que já tendem a contaminar os debates. Por isso, é louvável a postura reformista das principais lideranças do Parlamento e espera-se que haja persistência e convicção nesse caminho.