Valor Econômico, v. 20, n. 4875, 07/11/2019. Valor Investe, p. C12

Quando a renda fixa parece arriscada demais para mim

 Fernando Torres



Será que o Tesouro IPCA+ 2024, título que remunera o investidor com inflação mais juros reais, poderia ser usado como reserva de emergência para investidores mais agressivos?

Fiz essa provocação dias atrás aqui na redação do Valor Investe, e hoje conto um pouco sobre essa experiência.

Nos últimos dias, temos escrito e lido muito sobre a iminência de termos juros reais zerados ou negativos no Brasil, quando comparamos o rendimento previsto para o CDI/Selic nos próximos 12 meses, e a inflação esperada para o mesmo período.

O que eu pensei? Uma vez que a volatilidade desse título indexado ao IPCA diminuiu nos últimos anos, inclusive porque ele está proporcionalmente mais curto do que foi no passado (só restam 5 anos), será que valeria a pena usar esse papel pra deixar a reserva de emergência em um título que ao menos assegura algum juro real para ocomprador?

Já imaginava que os especialistas, planejadores financeiros e consultores iam ser contra a ideia, dado que a preocupação “número 1” da reserva de emergência é ela existir, ter o tamanho desejado e estar disponível para saque a qualquer momento, sem risco de precisar sacar em um

momento de “baixa”. E foi esse tipo de retorno que a Isabel Filgueiras, repórter aqui do site, teve das fontes que ouviu. Mas eu ainda queria entender se, ao menos para mim (e não para os outros), essa seria uma boa alternativa.

Adianto que tenho mais dúvidas do que respostas. Mas antes faço um parêntese.

Eu tenho uma visão que talvez seja um pouco diferente de como enxergo a minha reserva de emergência (reforçando que estou falando do meu caso, e não fazendo recomendação), e já tratei disso aqui em outra ocasião. Entendo que, embora ela deva estar numa aplicação com acesso imediato, ela dificilmente terá que ser usada integralmente do dia para a noite.

Se a reserva representa seis vezes o gasto mensal, por exemplo, é improvável que a pessoa precise dispor de 100% do dinheiro aplicado no dia do saque, ou em 24 horas, por exemplo. Na minha experiência pessoal, ela é usada parcialmente em algum momento, e reabastecida alguns meses depois (sempre que possível).

Além disso, na maior parte dos casos, a reserva funciona como uma espécie de seguro. Do tipo que você tem, mas não quer nem espera ter que usar. Então, quando a emergência não aparece, a reserva fica investida por anos e anos.

E se isso é verdade, embora não passe pela minha cabeça especular com esse dinheiro, convém ao menos que ele esteja numa aplicação (barata e) que tenha retorno real positivo. Ou será que estou pedindo muito? Fecha parêntese.

Eis então que fui olhar a taxa do Tesouro IPCA+ 2024, e vi que ele está rendendo 2,11% acima do IPCA. Com certeza é mais do que o juro real de quase zero que vai render o CDI nos próximos meses. Mas pela primeira vez na vida tive dúvida se valia a pena comprar um título público indexado a inflação no Brasil.

Tive a sorte de poder comprar esse mesmo papel no passado remoto, quando ele ainda era chamado de NTN-B e rendia mais de 8% acima da

inflação (e que os especialistas da época não recomendavam, dado que o prazo era “longo demais, indicado apenas para fundos de pensão”). Em outros momentos, fiz compras do título quando ele assegurava 6% ou 5% ao ano acima do IPCA.

O raciocínio não era muito sofisticado. Eu simplesmente pensava. Se o Brasil virar um país sério, e os juros reais caírem, meu ganho será acelerado. Na pior das hipóteses, vou ganhar uma remuneração que me parece bastante razoável e de forma sistemática no longo prazo.

Eu sabia que podia estar perdendo oportunidades melhores em algum outro canto do mercado financeiro. Mas a combinação de emprestar dinheiro para quem tem a impressora de moeda, num título corrigido pelo IPCA, e com a remuneração que era contratada na época, me parecia bastante atrativa.

Os dados históricos mostram que não fiz tão mau negócio. Em períodos sucessivos de cinco anos, o retorno do Tesouro IPCA+ 2024 Principal superou sistematicamente o CDI, com brevíssimos períodos atrás do indicador (mesmo com a Selic de anos atrás).

Mas isso é olhar pelo retrovisor. Esses resultados foram obtidos porque,

nas simulações de cinco anos, os papéis quase sempre rendiam no mínimo 4% ao ano acima da inflação - aliás, o período de perda para o CDI coincide com a época em que os investidores aceitaram entrar na aplicação com remuneração entre 3,5% e 4%, em 2013.

Mas agora o CDI é outro. E a taxa real do Tesouro IPCA+ 2024 também é outra. O que fazer no cenário atual?

A princípio, o título do Tesouro parece melhor opção para o curto prazo. Mas será que dá pra achar que a taxa real média de juros de hoje até 2024 será inferior a 2,11% ao ano, que é a aposta que se está fazendo quando se compra esse papel para carregar?

E para repetir o raciocínio anterior, eu ficaria satisfeito com a pior hipótese, que seria embolsar os 2% reais, mesmo que eventualmente isso fique abaixo do CDI? Em outras palavras, considerando o novo cenário de juro zero pelo mundo, esses 2% de agora seriam “bastante razoáveis”, que era a forma como eu encarava os 5% de anos atrás?

Não tenho resposta pronta para essas perguntas. Pelo menos não de bate-pronto.

Não custa lembrar que o Banco Central tem dito e repetido que a taxa Selic atual é “estimulativa”. Ou seja, abaixo da neutra. E meu palpite é o de que essa desconhecida taxa neutra segue acima de 2% ao ano no Brasil.

Essa constatação me faz então pensar na remuneração das taxas mais longas, que estão rodando entre 3% e 3,2% acima do IPCA.

É um número abaixo do que aquele que eu estava acostumado, mas reconheço que comparações históricas ficam prejudicadas no momento atual. Pensei em encarar. Mas aí vem o Tesouro e faz uma captação

externa com prazo de 2050, e o retorno fica em 4,91% ao ano. Não tem IPCA, mas dá quase 3% de juro real em dólar, se pensarmos numa inflação de 2% (que está longe disso). Antes o retorno era maior aqui.

A renda fixa local parece arriscada demais pra mim.

Fernando Torres é editor do Valor Investe