O Globo, n. 32708, 24/02/2023. Mundo, p. 17

Rússia avalia proposta de mediação para o conflito feita por Lula



O governo da Rússia avalia as propostas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para mediar a paz na Ucrânia e cessar o conflito, que completa um ano hoje. A informação foi anunciada pelo vice-chanceler Mikhail Galuzin em entrevista à agência Tass. Segundo ele, Moscou “tomou nota” das várias declarações que Lula tem feito sobre a questão. O presidente brasileiro defende a necessidade de falar de paz e se opõe enfaticamente ao envio de armas, munições ou outras tecnologias bélicas ao governo de Volodymyr Zelensky:

—Tomamos nota das declarações do presidente do Brasil sobre o tema de uma possível mediação, a fim de encontrar caminhos políticos para evitar a escalada [da guerra] na Ucrânia, corrigindo erros de cálculo no campo da segurança internacional com base no multilateralismo e considerando os interesses de todos os envolvidos — afirmou Galuzin.

— Estamos examinando as iniciativas, sobretudo do ponto de vista da política equilibrada do Brasil e, claro, levando em consideração a situação in loco.

O vice-chanceler enfatizou a importância da visão do Brasil, ressaltando que o Kremlin vê o país como um parceiro estratégico bilateral e globalmente:

— Estamos interagindo de forma construtiva no Brics, no G20, na ONU e seu Conselho de Segurança, onde essa nação [Brasil] agora é representada como membro não permanente —acrescentou.

De acordo com o representante russo, Moscou “aprecia” o fato de o Brasil não fornecer armas à Ucrânia “apesar da pressão dos EUA”.

— Gostaria de enfatizar que a Rússia valoriza a posição de equilíbrio do Brasil na atual situação internacional, sua rejeição a medidas coercitivas unilaterais tomadas pelos EUA e seus satélites contra nosso país e a recusa de nossos parceiros brasileiros em fornecer armas, equipamentos militares e munição para o regime de Kiev —afirmou.

— Ao mesmo tempo, podemos ver como Washington está pressionando o Brasil. Essa postura soberana merece respeito.

O Brasil condena desde o início a invasão russa na Ucrânia, mas mantém uma posição diferente da defendida por americanos e europeus. Washington e seus aliados enviam armas essenciais para os ucranianos em sua resistência e impuseram uma enxurrada de sanções com o fim de minar as capacidades russas de financiar sua ofensiva militar.

Grupo de mediadores

A política externa brasileira sempre foi de não isentar Moscou por seus ataques ao país vizinho, mas de buscar uma saída negociada para o conflito. Lula, desde que tomou posse, apresenta-se como um possível mediador e, por proposta do governo brasileiro, uma resolução aprovada pela Assembleia Geral da ONU inclui menção expressa à necessidade de obter “uma paz abrangente, justa e duradoura”.

Ao Jornal Nacional, da TV Globo, o chanceler Mauro Vieira disse ontem que o governo ficou satisfeito em ver como as propostas brasileiras estão tendo receptividade no cenário internacional.

— Abre-se um espaço para que haja o que o presidente Lula sugeriu tantas vezes, que é um grupo de países que falem com as duas partes, que tenham participação no cenário internacional, e que estejam dispostos a sentar e discutir alternativas de paz —disse ele, referindo-se a uma proposta que Lula fez em janeiro, após reunião com o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz .

Na época, Lula disse que estava na hora de o presidente chinês, Xi Jinping, “colocar a mão na massa” para tratar do problema geopolítico e humanitário. Há previsão de que o brasileiro viaje a Pequim no fim de março, quando deve também abordar uma solução para o conflito na Ucrânia. Em paralelo, ele avalia manter um contato direto com Zelensky, ainda sem data confirmada.