O Estado de São Paulo, n. 46778, 13/11/2021. Política p.A12

 

Tucanos defendem conciliar crescimento econômico e proteção ao meio ambiente

 


Doria propõe 'fundo' para manter florestas, Virgílio afirma que 'mundo depende da Amazônia' e Leite cita 'desmatamento zero'

 

O compromisso com uma agenda que concilie crescimento econômico e preservação do meio ambiente foi consenso entre os três presidenciáveis do PSDB que participaram ontem do debate promovido pelo Estadão. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, afirmou que o governo federal deve adotar uma política de “desmatamento zero” para ganhar credibilidade perante o mundo e punir com rigor responsáveis pela destruição de florestas. “Credibilidade inclusive para o comércio de outros produtos que não tenham relação com a floresta”, disse ele.

“Não precisa de desmatamento para crescer economicamente”, disse o governador gaúcho, ao ser questionado pelo diretor da Fundação SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani, sobre ações possíveis para tentar reverter o cenário atual de desmatamento.

No mesmo tema, o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio questionou o governador de São Paulo, João Doria, sobre sua posição a respeito da Zona Franca de Manaus. Virgílio afirmou que é “descabido” advogar contra a manutenção do polo industrial, que, segundo ele, contribui para a preservação da Floresta Amazônica.

 

FUNDO. Doria disse não ser contra o polo e defendeu a criação de um “fundo ambiental”. Para o governador paulista, isso demonstraria o esforço para manter a floresta preservada. “Sou a favor da formação de um fundo soberano composto por todas as empresas que estão na Zona Franca de Manaus, um fundo verde, um fundo ambiental, para que fique claro para o Brasil e para o mundo que aquelas empresas contribuem efetivamente com investimento para manter a floresta e o trabalho de caboclos e ribeirinhos com a floresta de pé”, declarou.

“Se nós tivéssemos todos aqueles empregados na Zona Franca de Manaus demitidos, essas pessoas ficaria sem trabalho e provavelmente estariam vulneráveis para aqueles que preferem derrubar árvores a preservar árvores”, continuou Doria. “Eu sou a favor da manutenção de árvores e do plantio de árvores e também da manutenção dos territórios indígenas e dos territórios ribeirinhos no Amazonas.”

O debate de ontem foi mediado pela colunista do Estadão Eliane Cantanhêde. Doria, Leite e Virgílio responderam a questionamentos feitos por jornalistas do Estadão e da Rádio Eldorado e por convidados que enviaram perguntas. O evento foi transmitido pela TV Estadão e em todas as plataformas do jornal.

 

RECORDE. Virgílio destacou a importância da Amazônia. “Eu vim falar de Amazônia. Vim falar de nós explicarmos ao mundo que o mundo depende da Amazônia. E explicar ao Brasil que a soberania nacional depende da Amazônia ser bem governada. Ela está sendo destruída”, disse o ex-prefeito.

Dados divulgados ontem pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério de Ciência e Tecnologia, mostram que a área de alertas de desmatamento de outubro foi a maior para o mês nos últimos sete anos.

Correndo por fora nas prévias tucanas, Virgílio afirmou ainda que a Floresta Amazônica deve ser prioridade de qualquer governo. “Está na hora de termos um presidente que seja da Amazônia, a região mais relevante do mundo e que inclusive tem implicações de segurança nacional”, observou.

Sem citar nominalmente o presidente Jair Bolsonaro, Virgílio declarou que o País “deixa a desejar” na política ambiental e pode enfrentar “consequências”. “Se chegarmos à Presidência, estadistas do mundo inteiro vão falar: agora sim o Brasil começou a falar sério da Amazônia, o que vai significar muito do ponto de vista da economia’.”

 

‘PRIORIDADE’. Ao citar as políticas adotadas em São Paulo, Doria defendeu a desestatização do Estado. Também reforçou que é favorável à proteção dos mais pobres e a políticas consistentes na área da educação. O governador de São Paulo ressaltou que a reforma administrativa do Estado viabilizou a reabertura de escolas.

Ele também disse ter aberto creches e investido no ensino infantil, classificado por ele como a “base primordial” para o desenvolvimento. “No meu governo, a prioridade numero um, ao lado da geração de empregos, será a educação.”

O governador de São Paulo lembrou que escolas de tempo integral cresceram em quantidade durante seu governo. “Em 16 anos dos meus antecessores, tivemos apenas 366 escolas de tempo integral. Não os critiquei, aliás, até elogiei, mas achava que era pouco.”

Virgílio também mencionou a educação como caminho para a diminuição da pobreza. Na avaliação dele, os programas sociais não devem ser o fim, mas, sim, o meio para a emancipação dos mais pobres por meio da educação.

Ao responder a uma pergunta do padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, sobre eventual instituição da renda básica, o ex-prefeito de Manaus defendeu “tudo para os mais pobres”. “É possível ser liberal e, ao mesmo tempo, sensível socialmente”.

 

PODERES. Leite e Virgílio defenderam o diálogo com o Congresso. Questionado sobre como seria sua relação com o Legislativo e se aceitaria se aliar aos partidos do Centrão se fosse presidente, o governador do Rio Grande do Sul afirmou que a relação com o Parlamento deve se dar em torno de projetos.

“É dever sentar e conversar”, disse Leite. “Eu já pude mostrar, sendo prefeito e governador, a forma como eu ajo, respeitando o Parlamento que é escolhido pela população.”

Na réplica, Virgílio, que foi senador, destacou sua experiência no Legislativo e no Executivo. “Eu sei como fazer, porque eu vi fazer”, afirmou, antes de dizer que não é “aprendiz”. / ADRIANA FERRAZ, PEDRO VENCESLAU, CAROLINA ERCOLIN, GUSTAVO QUEIROZ, CASSIA MIRANDA, NATÁLIA SANTOS e DAVI MEDEIROS

 

“Se chegarmos à Presidência, estadistas do mundo inteiro vão falar: ‘agora sim o Brasil começou a falar sério da Amazônia, o que vai significar muito do ponto de vista da economia’. (...) É possível ser liberal e, ao mesmo tempo, sensível socialmente.”

Arthur Virgílio

Ex-prefeito de Manaus

 

“Não precisa de desmatamento para crescer economicamente (...) O Brasil precisa mostrar compromisso com desmatamento zero para ter credibilidade, inclusive para o comércio de produtos que não tenham relação com a floresta.”

Eduardo Leite

Governador do Rio Grande do Sul

 

“Sou a favor da formação de um fundo soberano composto por todas as empresas da Zona Franca de Manaus, para que fique claro para o Brasil e para o mundo que aquelas empresas contribuem com investimento para manter a floresta.”

João Doria

Governador de São Paulo

 

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Candidatos erram ao falar para a militância

 

ANÁLISE : JOSÉ ÁLVARO MOISÉS 

 

O PSDB é muitas vezes criticado por ficar em cima do muro, o que nem sempre é verdade, mas o debate entre os candidatos que disputam as prévias do dia 21 produziu um cenário no mínimo paradoxal. Por um lado, o partido adotou um método democrático – anti-oligárquico – de escolha de candidatos, o que o distingue de todos os demais partidos; mas, por outro, adotou um tom discursivo para se apresentar aos seus filiados e apoiadores que implica em uma armadilha, qual seja, a de ficar falando mais para dentro, para a militância, do que para fora, para o conjunto da Nação. É um sinal limitador.

A resposta a essa crítica é que as prévias do dia 21 são exatamente isso, uma disputa interna pela preferência dos militantes e apoiadores. Mas isso é um equivoco grave porque a crise de lideranças políticas que o País vive – de que foram expressão os escassos 4% que o candidato do partido obteve em 2018 – não tem possibilidade de se resolver nas estruturas fechadas de um único partido ou de uma facção. Só ganhará consistência e viabilidade quem lograr representar uma alternativa real para o conjunto do País em face do marasmo e da sensação de falta de rumos que o acomete. É assim que poderá empolgar o partido.

Não seria justo, no entanto, dizer que isso faltou completamente no debate promovido pelo Estadão. O ex-senador Arthur Virgílio e de, modo diferente, o governador Eduardo Leite ensaiaram introduzir no debate temas que sugerem a perspectiva de um macro projeto para o país. Virgílio contrapôs ao quadro econômico desastroso do presente à política bem sucedida do governo FHC que envolveu responsabilidade fiscal, cambio flutuante e meta de inflação. A ideia é que isso é condição para uma recuperação da economia, criação de emprego e aumento da renda das pessoas. Leite associou às mesmas ideias o legado de Mário Covas, Franco Montoro e José Serra, além de FHC, para sugerir que o partido tem uma trajetória histórica que o credencia para tirar o país da crise.

O governador João Doria manteve o perfil adotado em debate anterior. Ele critica duramente o governo Bolsonaro de modo a dissociar a sua imagem da associação com ele em 2018, e tem a vantagem de ter bons resultados a mostrar de seu governo, as iniciativas acertadas quanto à pandemia, o equilíbrio fiscal, a reforma administrativa e as escolas de tempo integral. Mas ainda assim, igual que seus contendores, não transpõe completamente um perfil mais regional, sem apontar uma pista mais concreta de como pretende, se governo for, tirar o país da crise. É isso que faz falta hoje.