Correio Braziliense, n. 21648, 24/06/2022. Brasil, p. 6

Gravidez chega ao fim

Fabio Grechi


A menina de 11 anos, vítima de um estupro em Santa Catarina e que teve o aborto negado pela Justiça do estado, teve a gestação interrompida na última quarta-feira. A informação, porém, só foi divulgada ontem pelo Ministério Público Federal (MPF), que havia recomendado a realização do procedimento.

Em nota, o MPF afirma que o Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago, vinculado à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que havia negado a realização do aborto inicialmente, foi procurado pela mãe e pela criança. Depois da repercussão do caso, a equipe médica “adotou as providências para interrupção da gestação da menor”.

“O Ministério Público Federal (MPF), considerando a grande repercussão do caso envolvendo menor vítima de estupro e, que teve a interrupção legal da gestação negada pelo serviço de saúde, vem informar o acatamento parcial da recomendação expedida ao Hospital Universitário (HU) Polydoro Ernani de São Thiago, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O hospital comunicou ao MPF, no prazo estabelecido, que foi procurado pela paciente e sua representante legal e adotou as providências para a interrupção da gestação da menor”, informou o comunicado.

Na recomendação que fizera, MPF fixou prazo até o meio-dia de ontem para que o hospital se manifestasse sobre a possibilidade de interromper a gravidez. No documento, a procuradora Daniele Cardoso Escobar, que assina o documento que seguiu para a equipe médica, argumentou que, no caso de aborto legal, não há restrições relacionadas à idade gestacional ou ao peso do feto que pudessem impedir o procedimento.

O hospital foi procurado pela vítima para realizar o aborto no início de maio, quando ela estava com 22 semanas de gestação. Mas a unidade de saúde se negou a realizar a operação — alegou que as normas da unidade permitem a interrupção da gravidez só até a 20ª semana.

Indução

O episódio veio à tona na última segunda-feira, quando gravações de uma audiência mostram a juíza Joana Ribeiro Zimmer, então lotada na Comarca de Tijucas (município a 30km de Florianópolis) e responsável pelo caso, induzindo a menina para que suportasse a gravidez por mais algumas semanas para conseguir dar à luz ao bebê. Os diálogos foram divulgados em reportagem publicada pelos portais Catarinas e The Intercept Brasil.

A magistrada não está mais à frente do caso. No último dia 15, antes da publicação da reportagem, ela foi promovida e transferida para a 1ª Vara Comercial de Brusque.

A criança ficou em um albergue, longe da família, por mais de 40 dias por determinação de Joana. A juíza atendeu ao pedido da promotora Mirela Dutra Alberton, que solicitou o isolamento da menina para, supostamente, abrir a possibilidade de investigar se o abuso sexual estava sendo cometido dentro de casa. A desembargadora Cláudia Lambert de Faria, porém, determinou que a criança voltasse para perto da mãe.

Joana, aliás, pode ser punida pela atuação no caso: a pedido da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e da Marcha Mundial de Mulheres, o Conselho Nacional de Justiça investigará a conduta da juíza. Para as duas entidades, que encaminharam representação ao CNJ, a magistrada cometeu “abuso institucional” e “prática de procedimento administrativo incompatível com sua função, além de ilícitos de caráter civis e penais”.

Quem também pode ser punida é Mirela Alberton. Isso porque o corregedor-geral do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC), Fábio Strecker Schmitt, abriu um procedimento disciplinar para investigar a atitude dela no episódio. A denúncia chegou ao Conselho Nacional do Ministério Público e a apuração contra a procuradora está a cargo do conselheiro Oswaldo D’Albuquerque, que determinou a abertura de um procedimento disciplinar.

O aborto de uma gravidez resultante de violência sexual ainda enfrenta vários tabus, mesmo estando previsto no artigo 128 do Código de Processo Penal (CPP). De acordo com a redação, a interrupção da gestação é considerada legal quando se tratar do efeito de abuso sexual ou puser em risco a saúde da mulher. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o aborto também pode ser realizado em caso de fetos anencéfalos. (Com Agência Estado e Isabel Dourado)