O Estado de S. Paulo, n. 46733, 29/09/2021. Economia , p. B5

Ibama libera licença a ‘linhão de Tucuruí’

André Borges


Dez anos depois de ter sido leiloado pelo governo federal, o linhão de transmissão de energia previsto para ligar Manaus (AM) a Boa Vista (RR) obteve autorização para ter suas obras iniciadas. O ‘Estadão’ apurou que a licença de instalação do projeto, documento que autoriza o início efetivo da construção, foi liberada pelo Ibama, após o órgão ambiental receber sinal verde da Fundação Nacional do Índio (Funai) sobre os impactos do empreendimento em reservas indígenas.

Com a decisão, a concessionária Transnorte Energia, formada pela estatal Eletronorte e pela empresa Alupar, poderá dar início imediato à construção, que tem prazo total de 36 meses para ser concluída e início de operação no primeiro semestre de 2024.

Um dos projetos de infraestrutura mais polêmicos do País, o linhão de 720 quilômetros de extensão, também conhecido como “linhão de Tucuruí”, ficou na gaveta do Ministério de Minas e Energia por uma década, depois de ser leiloado em setembro de 2011, ainda no governo Dilma Rousseff. O motivo da paralisação foi o impacto direto que a linha impõe à terra indígena Waimiri Atroari, onde hoje vivem mais de 2.300 indígenas. Nos últimos anos, o povo Kinja protestou contra a ideia de ver uma rede com 250 torres e centenas de quilômetros de cabos de aço erguida em suas terras.

Dos 720 km da linha de transmissão, 122 quilômetros passam diretamente no meio de suas terras. Os indígenas não se posicionavam contra a obra de energia, mas exigiam ser consultados. Nestes dez anos, os Kinja cobraram o direito constitucional de serem previamente consultados sobre o empreendimento, pediram informações sobre a possibilidade de a linha ser desviada de suas terras e estudaram os impactos que sofreriam caso não houvesse outra rota.

Por vários anos, a Funai esteve ao lado do povo indígena na avaliação do projeto, em busca de respostas e estudos técnicos sobre a viabilidade da obra. Na gestão atual do órgão, porém, seu posicionamento se inverteu e a fundação passou a atuar como instrumento de pressão para autorizar o empreendimento. O presidente da Funai, Marcelo Xavier, chegou a transformar o processo de licenciamento em investigação policial. Em maio, Xavier acionou a Polícia Federal, que abriu inquérito para investigar lideranças indígenas e nove servidores da própria Funai, sob a acusação de que atuariam para colocar supostas “barreiras e entraves à aprovação” do projeto.

Dentro do Ibama, a liberação da obra já era dada como certa, mas o órgão ambiental aguardava o sinal verde da Funai sobre as questões indígenas para seguir adiante com a licença de instalação. O próprio presidente Jair Bolsonaro, bem como o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, tinham prometido que a obra seria liberada ainda em 2019.

Integração. A linha de transmissão foi planejada para conectar Roraima ao sistema interligado nacional (SIN) de energia. O Estado é o único que não está integrado ao sistema elétrico do País.

Desde março de 2019, o fornecimento de energia de Roraima depende completamente de usinas térmicas movidas a óleo diesel, devido ao fim do contrato que o governo brasileiro mantinha com a Venezuela e a estatal Corpoelec. A empresa atendia a cerca de 80% do consumo de energia do Estado. A entrega dessa geração, porém, que sempre foi precária, já estava completamente insustentável, com o agravamento da crise no governo liderado por Nicolás Maduro.

Dimensão

250

é o número total de torres que deverão ser instaladas ao longo dos 720 quilômetros do novo linhão de energia