O Globo, n. 32692, 08/02/2023. Opinião, p. 3

Deixem o Banco Central em paz

Elio Gaspari


Depois de quatro anos de Bolsonaro com seus destemperos de cercadinhos, era possível esperar uma distensão na vida política nacional. Lula prometeu paz, estabilidade e previsibilidade. Em pouco mais de um mês de governo, na sua relação com o Banco Central independente, com o inevitável ricocheteio na economia, entregou beligerância e balbúrdia.

A contrariedade de Lula tem dois aspectos. Num, ele e seu ministro da Fazenda acham que a taxa Selic de 13,75% ao ano é exagerada. Noutro, ele acredita que a autonomia do Banco Central é uma “bobagem”. A respeito da taxa, a discussão está aberta. Quanto à “bobagem”, não há o que discutir, a autonomia do Banco deriva de um ato do Congresso.

Num de seus momentos de crítica, Lula formulou uma comparação:

— Eu duvido que esse presidente do Banco Central [Roberto Campos Neto] seja mais independente do que foi o [Henrique] Meirelles.

Verdade, mas a diferença não está na figura de Campos Neto, está na de Lula. Do início de 2003 ao final de 2010, Henrique Meirelles presidiu o Banco Central, e o então presidente Lula deixou-o em paz. Nunca se referiu a ele como “esse presidente” ou “esse cidadão”.

Passou o tempo, e Lula entrou no seu terceiro mandato sem ao menos uma reunião protocolar com Campos Neto. Pior: durante a transição, enquanto sua equipe negociava uma Emenda Constitucional para desafogar seu primeiro ano de mandato, o presidente do Banco Central não sabia sequer para quem deveria telefonar.

Na sua última investida, Lula disse que “não existe justificativa nenhuma para que a taxa de juros esteja em 13,50% [ela está em 13,75%]”:

— É só ver a carta do Copom para a gente saber que é uma vergonha esse aumento de juro.

O Copom de hoje, como o do tempo de Meirelles, fixa a taxa de juros para segurar a inflação, essa sim, uma vergonha. Lula falou que houve aumento da taxa de juros, o que não aconteceu. Ela ficou onde estava. Aumento da Selic ocorreu em janeiro de 2003, no primeiro mês do mandato de Lula, quando o Copom elevou-a de 25% para 25,5%. À época, ele não reclamou, pois estava de olho na credibilidade de seu governo. Obteve-a. (O vice-presidente José Alencar viria a criticar os juros altos, sem chamar quem quer que fosse de “esse cidadão”.)

Passados 20 anos, Lula pode até ser outro, mas, ao escolher o Banco Central para o papel de vilão, e seu presidente para o de bode, difere do que foi e assemelha-se a seu antecessor. Emparedado pela pandemia de Covid-19, Bolsonaro transformou o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em bode, demitiu-o e não foi a lugar algum.

Há um forte cheiro de intriga palaciana no que parece ser uma malquerença de Lula com Roberto Campos Neto. O presidente do Banco Central foi a alguns eventos onde não deveria ter aparecido, mas chamá-lo de bolsonarista é patrulha vulgar. Num governo que teve no ministro Paulo Guedes um vendedor de sonhos, Campos Neto teve um comportamento institucional. 

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