O Estado de S. Paulo, n. 46725, 21/09/2021. Política, p. A6

Alvo da CPI negociou cargo na Saúde

Julia Affonso

 

Mensagens de Whatsapp, de março de 2019, apreendidas em investigação do Ministério Público Federal, no Pará, descreveram o lobista Marconny Albernaz de Faria, como "forte" e "com enorme entrada" na Presidência da República e na Casa Civil do governo de Jair Bolsonaro. Como mostrou o Estadão, o lobista alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid é suspeito de ter recebido R$ 400 mil para intermediar a nomeação de um servidor do Instituto Evandro Chagas, em Belém, órgão ligado ao Ministério da Saúde.

Faria é investigado pela CPI por suspeita de fazer lobby para a empresa Precisa Medicamentos no mesmo Ministério da Saúde. Os senadores identificaram mensagens trocadas por ele com Jair Renan Bolsonaro, quarto filho do presidente; com as advogadas Ana Cristina Valle, mãe de Jair Renan e segunda exmulher de Bolsonaro, e Karina Kufa, que defende o presidente; e com o dono da Precisa, Francisco Maximiano. As conversas indicam que Marconny ajudou Jair Renan a montar sua empresa de eventos.

O Estadão teve acesso a uma nota técnica da Controladoriageral da União (CGU), feita para a investigação da Procuradoria da República, no Pará. Nas conversas, ocorridas entre 2018 e 2019, o servidor do instituto paraense Marcio Roberto Teixeira Nunes e o empresário José Ferreira da Silva Filho, dono da Ferpel Comércio e Representação, negociam o pagamento a uma empresa do lobista para agilizar nomeações no órgão.

Segundo os investigadores, o empresário fez pagamentos a Faria por meio da empresa Gygha Administração Empresarial, a pedido do servidor. O objetivo de Nunes e Silva Filho era emplacar Jorge Travassos como diretor do instituto e o próprio servidor como diretor substituto. Os foram nomeados pouco tempo depois.

Segundo a investigação, a Gygha, que recebeu os pagamentos, tem como único sócio Arthur Souza Cirilo, motorista de Faria e funcionário registrado em outra empresa do lobista, a M N R A de Faria Administração Empresarial. Faria atua como "procurador" da Gygha na Junta Comercial do Distrito Federal e perante o Banco do Brasil. Os investigadores descobriram que Gygha também é o apelido do lobista. À CPI, Marconny confirmou que Cirilo é seu funcionário.

As mensagens mostram que a ideia de trocar os dirigentes do Evandro Chagas surgiu ainda em 2018, antes das eleições. Após Bolsonaro ser eleito, Nunes pede que Silva Filho deposite R$ 25 mil na conta da Gygha. O empresário concorda e manda o comprovante ao servidor.

Nas conversas, Nunes não dizia a Silva Filho que o lobista estava por trás da empresa Gygha. O servidor do Evandro Chagas apenas repassava ao empresário os pedidos de dinheiro. Ele chamava os repasses de "incentivos". Só de 18 de janeiro de 2019 a 19 de junho daquele ano, a Gygha recebeu R$ 190 mil.

"Quanto à Gygha, eles são fortes. Têm enorme entrada na Casa Civil. E na Presidência. Eles que nos puseram lá dentro. Por isso, acredito neles. Apenas é angustiante a demora", afirmou Nunes em uma das mensagens. À época, a Casa Civil era comandada por Onyx Lorenzoni, atual ministro do Trabalho. Procurado, Lorenzoni disse desconhecer Faria e Nunes.

A diretoria cobiçada pelo servidor e pelo empresário no Instituto Evandro Chagas foi nomeada em 11 de agosto do ano passado, durante a gestão do general Eduardo Pazuello na Saúde. Nunes chegou ao cargo de diretor substituto, mas foi exonerado em outubro de 2020, após ser preso durante as investigações. O empresário morreu, vítima da covid-19, no ano passado.

Em depoimento na semana passada na CPI, Faria negou fazer lobby. Disse, que faz "análises técnico-políticas" e é contratado por ser de Brasília e conhecer o "cenário" local.

Questionado sobre a atuação da Gygha, o lobista ficou em silêncio. Em nota, o advogado William Falcomer afirmou que Faria "foi vítima de quebra de sigilo e divulgação de dados sem autorização judicial". Procurado, o Palácio do Planalto não se manifestou.