O Globo, n. 32742, 30/03/2023. Economia, p. 12

O grande ajuste de Haddad e Lula

Míriam Leitão


O governo Lula se propõe a fazer em quatro anos um ajuste de três pontos percentuais do PIB e isso é um enorme esforço. Ontem, o que foi aprovado na conversa do Palácio do Planalto é que essa administração, que se iniciou com pouco mais de 2% de déficit público, chegará a 1% de superávit primário no final do mandato. Isso será conseguido por etapas, mas com passos fortes. O desequilíbrio entre receita e despesa será zerado no ano que vem, depois em 2025 haverá um superávit de 0,5% do PIB e no último ano, um superávit de 1% do PIB.

Como chegar lá, se o governo começou com o país com desequilíbrio para este ano de R$ 230 bilhões? Primeiro, o ajuste já começou a ser feito. As medidas iniciais do ministro Fernando Haddad corrigiram algumas evasões fiscais e, em parte, as desonerações indevidas. Na entrevista que me concedeu, ainda antes da posse, ele me disse que o déficit de R$ 230 bilhões não ocorreria. E realmente o país deve fechar este primeiro ano com um pouco mais de R$ 100 bilhões.

Segundo, o arcabouço apresentado ontem pelo ministro Fernando Haddad aos líderes políticos da Câmara, depois de aprovado pelo presidente. Ele parte do ponto de que a despesa crescerá menos que a receita, e haverá mecanismos de ajustes em caso de não atendimento desse parâmetro. Isso levaria ao superávit de 1% no último ano do governo.

Tudo o que foi apresentado aos líderes políticos ontem comprovou o que eu já tinha contado aqui na coluna de terça-feira, que sairia esta semana, e também que todas as despesas estarão sujeitas ao limite de gastos.

Ontem fiz uma longa entrevista com André Lara Resende, que foi ao ar na Globonews, e cuja transcrição você pode ler aqui.

Ele tem uma visão diferente sobre gastos públicos e uma crítica forte à taxa de juros. André tem contestado a visão convencional da política monetária e até da política fiscal. Seu pensamento é complexo, por isso o melhor é ver a entrevista ou ler a transcrição, mas o que ele tem falado não pode ser entendido como uma licença para gastar. Quando perguntei se o governo pode gastar mais do que arrecada, ele respondeu que depende da qualidade do gasto.

– Ele tem obrigação de gastar bem. Tanto no custo de operação do estado, que deve ser o menor possível. O estado deve ser eficiente. Nas suas transferências, quando transfere renda para pessoas mais pobres, é bom que estes gastos sejam cobertos por receitas tributárias, por impostos. Isto é uma forma de impor ao governo uma disciplina. As pessoas pagam impostos e dizem: quero ver se meu imposto está sendo bem usado. Os gastos de investimento, não necessariamente. Desde que o estado invista bem, que a taxa de retorno de investimentos seja maior do que o custo de financiamento do governo, isso se justifica. Se o governo gastar mal, não importa como chame a despesa, isso não é justificado, como gastos demagógicos e eleitoreiros.

André acha que a melhor medida da dívida não é a bruta de 73% do PIB. Sobre a qual houve várias projeções de crescimento, inclusive feitas pelo Banco Central, que não se realizaram. Ele prefere o conceito de dívida líquida, com o desconto das reservas cambiais, e mais o desconto do que o Tesouro tem no caixa único no Banco Central. Daria 45% do PIB. Essa é uma das razões pelas quais ele acha que os juros deveriam cair substancialmente. Na entrevista, ele não entrou em detalhes quando perguntei como deveria ser a nova regra fiscal, mas não poupou de críticas o Banco Central. Disse que a última ata é extremamente arrogante.

– O BC está se arvorando, com uma equipe de jovens tecnocratas que acreditam piamente nos modelinhos equivocados que eles estão olhando, e se acham no direito de passar pito no Congresso, no presidente eleito e no Judiciário. O BC, com a autonomia que lhe foi concedida, passou a se considerar um quarto poder. E um quarto poder que dá lições de moral e se considera acima dos demais poderes. É muito preocupante.

O ministro Fernando Haddad, que faz moderadas críticas ao Banco Central, está apresentando agora a regra fiscal que substituirá o falido teto de gastos. O desafio dele é o de ser aprovado pelo Congresso e depois ser transportado para a Lei de Diretrizes Orçamentárias.