O Globo, n. 32735, 23/03/2023. Economia, p. 11

BC ignora Lula

Renan Monteiro
Alvaro Gribel
Manoel Ventura
João Sorima Neto


Depois de reiteradas cobranças do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de integrantes do governo pela queda dos juros, o Banco Central (BC) decidiu manter a taxa básica em 13,75% ao ano, o maior patamar desde 2016. A decisão foi por unanimidade entre os oito diretores e o presidente do BC, Roberto Campos Neto. Embora a manutenção fosse esperada, havia a expectativa de que o comunicado deixasse a porta aberta para um corte nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom). Não foi o que ocorreu. Ao contrário, o BC indica que pode até mesmo elevar os juros, caso a inflação e as expectativas para o índice de preços não caiam.

A reação do governo foi rápida. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o comunicado é “preocupante”, que o governo vai fazer chegar ao BC suas preocupações e que decisões futuras da autoridade monetária podem até comprometer o ajuste fiscal. Ele afirmou que o governo divulgou ontem dados concretos de melhora na trajetória fiscal, com a previsão de déficit nas contas deste ano revista de R$ 231 bilhões para R$ 107 bilhões.

Risco ao resultado fiscal

No comunicado, o BC deixa claro o risco de aumentar os juros se julgar necessário:

“O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas, que mostrou deterioração adicional, especialmente em prazos mais longos. O Comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”.

Em outro trecho, a autoridade monetária reforça a importância de voltar a ter controle sobre as expectativas de inflação e cita preocupação com a “desancoragem”, a piora nas projeções. A expectativa para o IPCA, índice oficial, está em 5,95%, muito acima do teto da meta, de 4,75%. As projeções para 2024 estão em 4,11%, que subiram na última semana.

“Neste cenário, o Copom reafirma que conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas”, diz o texto.

O Comitê cita expressamente a “incerteza fiscal” como risco para o cenário inflacionário. O Banco Central considerou a falta de detalhamento sobre o arcabouço para controle das contas do governo e o impacto sobre as expectativas para a trajetória da dívida pública. Há ainda preocupação com o cenário externo, influenciado pela crise dos bancos.

Para Haddad, o atraso na divulgação da regra que vai substituir o teto de gastos, prevista agora para abril, não seria motivo para o tom mais duro do comunicado. Ele lembra que a previsão inicial era que o novo arcabouço fiscal fosse divulgado em agosto. E diz que há cautela no governo para entregar uma regra consistente para o médio e longo prazos.

— Eu considerei o comunicado preocupante. Muito preocupante. Hoje nós mostramos que as projeções de janeiro estão se confirmando, sobre as contas públicas. O comunicado deixa em aberto, num momento em que a economia está retraindo e que o crédito está com problema, o Copom chega a sinalizar até a possibilidade de subida da taxa, que já é a maior (taxa real) do mundo. A depender das futuras decisões, podemos inclusive comprometer o resultado fiscal. Daqui a pouco vai ter problema das empresas para vender e recolher impostos —afirmou Haddad.

O país é o primeiro colocado no ranking de juros reais em um ranking do portal MoneYou de 40 países. O país aparece com taxa de 6,94%, descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses.

O ministro da Fazenda afirmou esperar que a ata da reunião, que será divulgada na próxima semana, atenue o tom do comunicado, tal qual ocorreu na reunião anterior. Haddad contestou o argumento do comunicado a respeito da turbulência internacional e da desancoragem das expectativas de inflação:

— O Brasil está numa situação diferente dos demais países. Nossa inflação está mais controlada. A taxa de juros (real) do mundo desenvolvido continua negativa, a nossa é a maior do mundo. A desancoragem de expectativas é conjuntural. Expectativa muda de um dia para o outro, mas temos que olhar os fundamentos da economia e observar se há um desequilíbrio entre oferta e demanda que faça a inflação recrudescer. Eu penso que, neste momento, do ponto de vista dos fundamentos da economia, não percebo essa tendência.

Inflação na mira

A inflação na mira também foi a justificativa para que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) decidisse ontem elevar a taxa de juros em 0,25 ponto percentual, mesmo diante das preocupações com a recente crise bancária. Para analistas, porém, o comunicado deixa margem para um tom mais moderado e até uma pausa no aperto monetário, embora a queda da taxa este ano tenha sido descartada pelo presidente do Fed, Jerome Powell (leia mais na página 12).

Para o economista-chefe da Acrefi, Nicolas Tingas, o BC seguiu a mesma linha do Fed, BC americano, com a indicação de que vai buscar a inflação na meta. E incluiu mais um fator de risco na análise, com a crise bancária nos EUA e na Europa.

— O BC tomou decisão técnica. A mensagem final básica é que se a inflação perseguida e a expectativa de inflação não foram atingidas, o BC não vai hesitar em retomar o ciclo de aperto monetário — disse.

Para Daniel Weeks, economista-chefe da Garde, o comunicando mina a expectativa de parte do mercado que acreditava ser possível um corte a partir da próxima reunião. Para ele, o BC reconheceu os riscos do cenário externo, mas não mudou a avaliação de que precisa de uma Selic de 13,75% por um período prolongado para convergir a inflação para a meta:

— Não titubeou frente às pressões do governo e não deu pistas de que estamos perto da queda de juros. Reforça nosso cenário de que a Selic não vai cair este ano.

Para Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Banco Mizuho no Brasil, o Fed ainda deve fazer novo aumento de 0,25 ponto. No Brasil, só haveria espaço para alguma redução, ainda que de 0,25 ponto, no Brasil, a partir de agosto. Ele espera que a taxa encerre o ano em 12,5%.