O Estado de São Paulo, n. 46697, 24/08/2021. Política p.A7

 

Bolsonaro sanciona orçamento secreto

 

Daniel Weterman

Luci Ribeiro

Breno Pires

 

Após reconhecer que as emendas de relator-geral atrapalham a política fiscal e podem prejudicar a condução de políticas públicas, o presidente Jair Bolsonaro, sob pressão do Centrão, recuou e sancionou a previsão de pagamento dessas emendas, identificadas no Orçamento pelo código RP-9, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022. Com isso, os parlamentares poderão indicar esses recursos no Orçamento do ano que vem, em período eleitoral.

O Centrão não estava disposto a abrir mão dos repasses bilionários e, segundo o Estadão apurou, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), atuou pela manutenção das emendas de relator.

O modelo, revelado pelo Estadão, vem sendo usado pelo governo para “cortejar” deputados e senadores aliados com repasses do Orçamento da União a municípios e Estados de seus redutos eleitorais, sem que seus nomes sejam divulgados, diminuindo a possibilidade de fiscalização e controle.

A decisão de manter essas emendas foi publicada ontem no Diário Oficial da União (DOU), contrariando o anúncio do governo, feito na sextafeira, de que as modalidades de emenda seriam vetadas.

As emendas de relator, presentes no Orçamento nos dois últimos anos, aumentaram a quantidade de recursos ligados aos parlamentares. O governo federal usou a distribuição para negociar apoio político no Congresso, reforçando a prática do “toma lá, dá cá” na liberação de recursos em troca de votos no Legislativo. A tática ficou conhecida nas redes sociais como “tratoraço”, pois parte dos recursos foi usada para comprar tratores em redutos eleitorais de parlamentares.

Com a sanção, o Palácio do Planalto abre mão dos próprios argumentos adotados, na semana passada, para vetar os dispositivos, como a ampliação da segregação de emendas e o grau de “engessamento” da despesa pública. Formalmente, o governo segue com prerrogativa de decidir localidades beneficiadas com a RP-9, mas, em troca de apoio, cede a parlamentares aliados, sem transparência sobre os nomes beneficiados.

Na sexta-feira passada, a Secretaria-geral da Presidência distribuiu uma nota informando que Bolsonaro havia sancionado o projeto da LDO de 2022 vetando a previsão de pagamento das emendas de relator-geral e de comissões. Ontem, porém, a pasta enviou um novo comunicado retirando essa parte.

Ao sancionar as emendas de relator, o presidente vetou outro dispositivo da LDO que aumentaria o controle do Congresso sobre a liberação desses recursos. O item vetado garantia que a execução respeitasse as indicações de beneficiários e a ordem de prioridades feitas pelo relator-geral. Além disso, dava um prazo de 180 dias para empenho dessas emendas, ou seja, para o Executivo reservar o dinheiro no Orçamento. Com esse veto, Bolsonaro mantém a distribuição do orçamento secreto da forma como é feita hoje.

“É incoerente vetar a ordenação de prioridades e não vetar a própria previsão dessas emendas, porque isso, na prática, acaba por deslocar o trato balcanizado desses recursos do Congresso para o Executivo. Persistem, portanto, as críticas de afronta aos princípios da impessoalidade e da publicidade, assim como de falta de lastro constitucional para tais emendas”, disse a professora e procuradora do Tribunal de Contas de São Paulo Elida Graziane.

O advogado e professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) Fernando Facury Scaff, disse ao Estadão que “a sanção das RP-9 leva à manutenção dos privilégios para a base parlamentar de apoio ao governo e o veto ao fundo acarreta o abandono do financiamento da democracia”. “Decisão que agride o princípio republicano”, afirmou.

 

Fundo. Bolsonaro vetou o trecho da LDO que autorizaria um valor de R$ 5,7 bilhões para o fundo eleitoral, destinado ao financiamento de campanhas políticas. Com o veto, o valor do fundo eleitoral para 2022 ficou em aberto e terá de ser estabelecido no projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA), que deve ser enviado até o dia 31 de agosto. O montante final poderá ser alterado pelo Congresso até a votação do projeto, em dezembro.

O líder do governo na Comissão Mista de Orçamento (CMO), deputado Claudio Cajado (PP-BA), disse ao Estadão/broadcast que Bolsonaro se “antecipou” a um movimento do Congresso ao sancionar as emendas de relator na LDO. “O relator é quem indica de acordo com o que foi estabelecido pelo conjunto das forças da Câmara e do Senado que elaboraram o Orçamento. O governo aceitar isso significa que ele concorda com esse trabalho feito pelo Congresso”, afirmou o líder.

 

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Presidente veta ampliar 'cheque em branco'

 

 

 

O presidente Jair Bolsonaro vetou a possibilidade de as bancadas estaduais no Congresso indicarem emendas na modalidade "transferência especial" em 2022, período eleitoral. Esses recursos são repassados diretamente para o caixa de Estados e municípios sem fiscalização federal. Pela ausência de controle, receberam o nome de "cheque em branco". A decisão foi publicada no Diário Oficial da União (DOU). Bolsonaro sancionou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022 na sexta, mas o texto e os respectivos vetos foram publicados somente ontem.

Ao vetar o dispositivo, o Executivo destacou que as transferências especiais são autorizadas pela Constituição apenas para as emendas individuais, aquelas indicadas por deputados e senadores no Orçamento. "Ademais, a proposição legislativa contraria o interesse público ao permitir às referidas emendas alocarem os recursos a Estados, ao Distrito Federal e a municípios por meio de transferência especial ou com finalidade definida", diz a mensagem do Palácio do Planalto. O impasse foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda não decidiu a questão.

Mesmo no caso das emendas individuais, o formato é questionado por técnicos e órgãos de controle. Conforme o Estadão/broadcast apurou, esse repasse foi usado por dois em cada três congressistas neste ano, inclusive repassando dinheiro para prefeituras comandadas por familiares. O modelo também foi copiado em pelo menos dez Estados.