O Globo, n. 32719, 07/03/2023. Política, p. 6

Alcolumbre usou secretário de Góes para repasse

Eduardo Gonçalves
Dimitrius Dantas
Patrik Camporez


O senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) usou um ofício encaminhado por um secretário estadual do então governador do Amapá, Waldez Góes, hoje ministro da Integração Nacional, para omitir ser o patrocinador de emendas do orçamento secreto que, posteriormente, foram usadas para contratar uma empresa de seu suplente.

Como revelou reportagem do GLOBO, a dois dias de deixar o governo do Amapá, em 30 de dezembro do ano passado, Góes anunciou a contratação da Construtora Rio Pedreira, de Breno Chagas Pinto, segundo suplente de Alcolumbre, para tocar a pavimentação de uma rodovia estadual. O empreendimento, orçado em R$ 100 milhões —a contratação mais cara da gestão Góes —, foi em sua maior parte financiado por meio das chamadas emendas de relator, base do orçamento secreto, pelo qual parlamentares enviavam recursos a seus redutos eleitorais sem serem identificados.

Após o Supremo Tribunal Superior (STF) considerar o método irregular, o Congresso criou um sistema para tentar dar mais transparência à destinação do dinheiro público a prefeituras e governos estaduais. Nele, deputados e senadores deveriam identificar a autoria das emendas. O mecanismo, porém, também permitia que as emendas fossem cadastradas em nome de prefeitos, governadores ou até assessores, que não têm prerrogativa de indicar recursos no Orçamento. Na prática, os chamados “usuários externos” passaram a ser usados para camuflar os reais patrocinadores da destinação do dinheiro público, permitindo que parlamentares continuassem a abastecer seus redutos eleitorais de forma sigilosa.

O nome de Waldez aparece como “usuário externo” em duas emendas destinadas a pavimentação e compra de maquinário para o Amapá, no valor de R$ 57 milhões.

Articulação

Um terceiro pedido de R$ 70 milhões é assinado pelo então secretário de transportes do Amapá, Benedito Conceição, para um “projeto voltado à modernização da Rodovia Josmar Pinto”, a mesma que passará por obras de pavimentação.

Após a contratação ser oficializada, Alcolumbre divulgou ser o responsável pela “articulação” dos recursos. Em postagem em seu site e nas redes sociais, ele afirma que os R$ 58,7 milhões da obra são “fruto de articulação do senador”, numa tentativa de capitalizar politicamente a benfeitoria no seu reduto eleitoral. Parte desse dinheiro tem origem nas emendas indicadas por Waldez Góes e pelo seu ex-secretário estadual de Transportes.

Na época em que presidiu o Senado, Alcolumbre chegou a ser o principal responsável, dentro do Congresso, por articular as indicações dos parlamentares ao orçamento secreto. Após ele deixar o posto, em 2021, essa função passou a ser exercida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

No ano passado, Alcolumbre driblou uma decisão do Supremo para apontar a autoria de emendas parlamentares ao omitir detalhes de suas indicações. Ele forneceu à Corte apenas uma lista com a descrição genérica de emendas de relator apoiadas por ele, sem valores, o que não permitia vincular os recursos com as obras apadrinhadas pelo senador.

“Seguiram legislação”

Questionado sobre os ofícios, Góes afirmou, por meio de sua assessoria, que todas as emendas enviadas ao Amapá durante sua gestão “seguiram o que determina a legislação vigente”.

Alcolumbre, por sua vez, não respondeu aos questionamentos da reportagem. Antes, ele havia afirmado que não influenciou na escolha da empresa do suplente, feita por meio de licitação pública, e disse esperar que o processo tenha “seguido todos os trâmites legais, cuja observância há de ser verificada pelos órgãos de controle”.