O Estado de S. Paulo, n. 46632, 20/06/2021. Economia & Negócios, p. B5

Mulheres lideram setor de pesquisa em cana-de-açúcar
Renée Pereira


Em uma área dominada por homens, dupla é responsável no CTC por desenvolver variedades mais eficientes e resistentes a pragas

Num setor tradicionalmente comandado por homens, duas mulheres foram escolhidas para comandar as pesquisas do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) – empresa líder na ciência da cana-de-açúcar. Adriana Capella e Silvia Yokoyama são as responsáveis pelo desenvolvimento de novas variedades, mais eficientes e resistentes às pragas. O objetivo é dar ao setor um ganho de produtividade semelhante ao que ocorreu com o milho e a soja no Brasil.

Adriana, de 49 anos, é bióloga formada pela Universidade de São Paulo (USP) e com mestrado em bioquímica pela Unicamp. Trabalhou na multinacional Monsanto, na área de transformação genética de plantas, e passou os últimos quatro anos em Saint Louis, nos Estados Unidos, trabalhando com outras culturas agrícolas. No ano passado, recebeu proposta para liderar a área de pesquisa e desenvolvimento do CTC e voltou ao Brasil com o desafio de desenvolver tecnologia capaz de melhorar a eficiência dos canaviais.

Antes de Adriana, a engenheira de alimentos Silvia, de 55 anos, também havia sido convidada para integrar a equipe do centro de tecnologia e liderar a área de regulação das novas descobertas. Com mais de 15 anos de experiência e mestre em agronegócio pela FGV, ela teve passagens pela Monsanto e Dow, trabalhando com outras culturas agrícolas, como soja, milho e algodão.

Agora, as duas vão trabalhar em parceria no CTC: uma desenvolvendo variedades geneticamente modificadas e outra trabalhando para a aprovação das tecnologias nos órgãos responsáveis. E há muito trabalho pela frente. Ao contrário do que ocorreu com a soja e o milho, a cana-de-açúcar não apresentou o mesmo aumento de produtividade e, em alguns casos, houve até a regressão por causa da mecanização, diz Adriana.

Produtividade. "O papel da minha área é elevar essa produtividade da cana para ter um retorno maior da área plantada." Isso só será possível com o melhoramento genético convencional e variedades geneticamente modificadas. Na avaliação de Adriana, apesar de o setor produtivo ter muita inovação, como a mecanização, a questão da biotecnologia da cana ficou atrasada em relação a outras culturas que são mais globais.

Uma das metas da bióloga é criar variedades que ainda não existem para controle de doenças. Atualmente, o CTC tem seis variedades para o controle de pragas. Em maio deste ano, as duas profissionais conseguiram aprovar uma nova variedade de cana-de-açúcar geneticamente modificada para combater a broca da cana, a mais importante praga que infesta os canaviais do País e causa prejuízos estimados em R$ 5 bilhões por ano.

"Com essa aprovação, o CTC passa a ter um portfólio de variedades transgênicas resistentes à broca que cobre todo o território da cana no País, adaptado às lavouras dos variados climas e solos", diz Silvia. "Todo produto novo passa por novos ensaios para averiguar se realmente funcionam e se são seguros para serem consumidos." O trabalho é submetido aos órgãos regulatórios e ambientais e também enviado para países que importam do Brasil.

Mulheres. Apesar do ambiente predominantemente masculino do setor sucroalcooleiro, Adriana e Silvia não se sentem intimidadas. Hoje, 65% dos funcionários do CTC são homens, e a interlocução com o setor é basicamente feita com executivos, diz Silvia. Na área de ciência, que inclui o Departamento Regulatório e Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), são 161 funcionários, sendo 50% mulheres. "Aqui não sinto nenhum tratamento diferente por ser mulher em relação a outros líderes da empresa", diz Adriana.

Mas, em empresas anteriores, ela percebia a desigualdade e a falta de mulheres em posição de liderança. "Participei de inúmeras reuniões para tomada de decisões em que eu era a única mulher entre 15 homens." A questão incomodava a bióloga, que discutia o assunto com homens da família em posição de liderança e eles sempre argumentavam que escolhiam os profissionais por competência.

"Quando perguntava quantas mulheres tinham em cargos de liderança, ouvia que nenhuma. Ou seja, não havia nenhuma mulher competente para assumir a liderança de alguma área?", questionava. "Eles realmente não viam problema nisso."

Para Adriana, ter duas mulheres à frente da tecnologia do CTC tem um significado muito importante e representa uma inspiração para outras. "Não somos só líderes da ciência, mas do negócio do CTC. Somos responsáveis pela tomada de decisões que afetam o dia a dia e o futuro do negócio."

● Diferenças

"Participei de inúmeras reuniões para tomada de decisões em que eu era a única mulher entre 15 homens."

Adriana Capella

Bióloga e Líder da Área de Pesquisa do CTC