Título: Para MP e Iphan, Ilhas do Lago é legal. Norma, não
Autor: Gustavo Igreja e Guilherme Queiroz
Fonte: Jornal do Brasil, 29/10/2004, Brasília, p. D-3

O projeto está dentro da lei. Mas de uma lei errada. Depois de duas horas de conversa, foi essa a conclusão do Ministério Público, que convocou ontem a diretoria da Orla Empreendimentos, consórcio responsável pelo Ilhas do Lago, para prestar esclarecimentos sobre a legalidade do empreendimento. Junto com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), os promotores constataram não haver desrespeito à legislação na construção do residencial. Mas concluíram que a norma que dá respaldo ao investimento desrespeita o tombamento da cidade. - Por parte da empresa, não houve desrespeito à legislação vigente sobre a área. Mas a NGB (Norma de Edificação, Uso e Gabarito) que define as possibilidades de utilização do local, no nosso entendimento, vai contra o tombamento da cidade. Vai contra, mas existe e está na regra do jogo - avaliou o promotor Paulo José Leite, da 4ª Promotoria de Defesa do Patrimônio Urbanístico do DF.

Durante a reunião, o MP acertou com a empresa que, durante a venda das unidades, deixe claro aos compradores a destinação original da área, que é a atividade hoteleira, não a residencial. E acertou com os membros do Conselho Gestor da Área de Preservação de Brasília (Conpresb) presentes o compromisso de, no menor prazo possível, anular a norma, que é considerada permissiva demais e perniciosa para a manutenção da destinação original da região.

- Existe a NGB (79/96) e ela foi aprovada pelo Iphan. Essa legislação nunca deveria ter existido. E, se existe, deveria ter sido revista há muito tempo pelos órgãos competentes. É o que vamos tentar agora. Não só no caso dela, mas de todas as NGBs que desrespeitem o tombamento - definiu Alfredo Gastal, superintendente regional do Iphan e membro do Conpresb.

A idéia é tomar como exemplo o caso para estender a discussão a outras agressões ao projeto da cidade apontadas pelos defensores do patrimônio urbanístico de Brasília.

- O MP reconhece o cumprimento da legislação por parte do Ilhas do Lago. Mas a norma está errada. Espero que se desdobre a discussão. Precisamos esclarecer a legislação - avaliou o presidente do IAB-DF, Otto Ribas.

A diretoria da Orla Empreendimentos avaliou como extremamente positiva a reunião. Reafirmou que respeitou a todo momento a norma vigente e que está à disposição do Ministério Público para ouvir recomendações sobre as preocupações com impacto ambiental na região, já que foi dispensada de apresentar estudo nesse sentido pelo GDF.

No dia 12 de novembro, secretários do GDF responsáveis por pastas relacionadas à preservação do patrimônio urbanístico serão convocados a comparecer ao MP para discutir a edição de NGBs que contrariem o projeto original da cidade. Na ocasião, serão cordialmente requisitados pelos promotores a reverem a edição da NGB 79/96, que permitiu a instalação naquela parte da orla de apart-hotéis e hotéis residências, que não têm como serem dissociados de um residencial comum.

- Se surgirem vários empreendimentos desse tipo, vira uma área residencial normal. E isso é contra o tombamento. Vamos pedir que revisem essa norma. O GDF pode revogá-la com um simples decreto do governador. O tombamento de Brasília está muito no âmbito das idéias, pouco em atos concretos. Do jeito que está, tudo é permitido - explicou Paulo José Leite.

Até o final do ano, o GDF havia se comprometido a apresentar um plano de políticas públicas para recuperar o sentido original de toda a orla. É nesse plano que o MP quer que conste a extinção da NGB 79/96. No encontro, os promotores devem pedir à Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) que explique porque dispensou a Orla Empreendimentos de apresentar estudo de impacto ambiental para a construção do Ilhas do Lago. A empresa já se comprometeu a acolher todas as recomendações nesse sentido que o MP fizer, para evitar danos ambientais.