Título: Aposentadoria em Xeque
Autor: Samantha Lima e Mariana Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 15/08/2005, Economia & Negócios, p. A19

A angústia com a sustentabilidade do sistema previdenciário não é exclusividade brasileira, mas sim um fenômeno mundial. Todas as grandes nações já questionaram ou estão repensando seus modelos, a fim de encontrar um ponto de equilíbrio entre a manutenção de direitos da população ¿ que vive cada vez mais ¿ e a viabilidade do caixa no longo prazo. Opiniões sobre o tema são diversas. O único consenso é que a Previdência brasileira precisa importar a idéia de caixa exclusivo para as contribuições. Traduzindo: que seja devolvido ao trabalhador só o que foi efetivamente aplicado, além da exigência da idade mínima para a aposentadoria. As medidas, segundo especialistas, ajudariam a dar sustentação às contas públicas.

Com mecanismos que variam de país para país, o caixa de contribuições é uma tentativa de equilíbrio entre contribuições arrecadadas e benefícios pagos. Alguns governos administram os recursos. Outros preferem repassar a tarefa à iniciativa privada, como é o caso do Chile. Há, ainda, casos em que os dois sistemas coexistem.

Todos os países que reformaram sua previdência, no entanto, adotaram a idade mínima como condição de acesso ao benefício. No Brasil, o que conta é o período de contribuição. Aqui, o caixa previdenciário provê recursos não apenas para quem contribuiu, mas também tem a obrigação de assegurar renda mínima para quem não contribuiu.

Consultor previdenciário da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com tese de doutorado em Previdência pela Unicamp, o professor Milko Matijascic defende a promoção de reformas no modelo brasileiro, mas acredita que há méritos.

¿ Temos no Brasil, além do emprego formal, uma massa de pessoas que não consegue se inserir e outra que trabalha precariamente. É preciso um modelo de proteção que compreenda todos esses grupos ¿ opina Matijascic. ¿ Mesmo com déficit, o modelo brasileiro agora é visto como paradigma por organismos internacionais, como a OIT e o Banco Mundial, por ser um dos maiores programas de distribuição de renda.

Estima-se que, sem o benefício mínimo pago pelo governo, 12 milhões de famílias seriam levadas para abaixo da linha da pobreza. Em 90% dos municípios, as aposentadorias do INSS, somadas, representam recursos superiores aos repasses federais. Mesmo assim, está longe da estabilidade, uma vez que gera déficit que, este ano, deve chegar a R$ 38 bilhões.

O modelo chileno, tratado como caso de sucesso durante muito tempo, vive sérios problemas, segundo o especialista. Lá, em reforma feita em 1981, o sistema foi integralmente privatizado. No Chile, a idade mínima para aposentadoria é de 65 anos para homens e 60 para mulheres. Cada trabalhador precisa contribuir por 30 anos o equivalente a 10% do salário. Os recursos são geridos por instituições privadas. Sem receber um centavo de contribuições, o governo arca com o benefício mínimo para quem, após 20 anos de contribuição e idade mínima, não conseguiu capitalizar seus depósitos a ponto de garantir o piso.

¿ O Chile vive um grande problema, porque as contribuições são opcionais e, mesmo sendo uma das melhores economias do continente, vive uma precarização do mercado de trabalho. Assim, somente metade das pessoas estão no sistema regular. Arcar com benefícios mínimos custa ao governo chileno cerca de 3,5% do PIB do país. Até o Banco Mundial, que o considerava um modelo, vem criticando-o recentemente ¿ diz.

A vizinha Argentina tem sistema híbrido. Parte das contribuições sustenta benefícios básicos, similares aos brasileiros. Tudo o que é arrecadado sustenta o pagamento a todos os beneficiários. Acima do mínimo, existe um benefício complementar, em que o segurado pode escolher entre programas de benefício por repartição (administrado pelo governo) ou administrado por seguradoras privadas.

¿ Na Argentina, o problema foi a ingerência do governo. Em 2001, dias antes da crise, os fundos foram obrigados a comprar US$ 2,3 bilhões em títulos públicos podres ¿ narra Matijascic.

Nos Estados Unidos, também existe um benefício mínimo garantido a todos os trabalhadores, com recursos da União. Acima do mínimo, há um sistema de repartição mantido pelo governo, que arrecada 10% da renda do trabalhador. Grã-Bretanha, Austrália e Nova Zelândia seguem caminhos semelhantes. Até bem pouco tempo atrás superavitário, o caixa do sistema de repartição americano está à beira do déficit, por conta da política fiscal do governo George Bush, que hoje tenta mudar as regras. Diante disso, foi proposto que 2% das contribuições fossem para um sistema semelhante ao chileno.

¿ Os americanos relutam, porque estão com medo de jogar seus recursos previdenciários nas mãos de instituições privadas ¿ diz Matijascic. Para o economista, não há um modelo pronto no mundo que pudesse se adaptar perfeitamente à realidade brasileira.

¿ Os modelos são únicos e seu sucesso ou fracasso reflete o comportamento da economia local.